* Por Benedito Ferreira Marques
JUIZ DAS GARANTIAS NA “LEI ANTICRIMES”
É
impressionante a celeuma causada pela instituição da figura do chamado “Juiz das
Garantias”, na recém sancionada “Lei Anticrime”, para muitos também apelidada
de “Pacote Anticrime de Moro”. Observam-se correntes favoráveis, contrárias e
indiferentes. O Ministro Celso de Melo,
decano do Supremo Tribunal Federal, classifica como “conquista da cidadania no
avanço civilizatório”. O Ministro da Justiça e Segurança Nacional, Sérgio Moro, autor intelectual do projeto
encaminhado ao Poder Legislativo Federal, verbera contra a sanção presidencial,
questionando o tempo exíguo de 30 dias para a implementação da novidade, além
da falta de estrutura operacional, a dizer que 40% das Comarcas existentes no
Brasil só têm um juiz e, às vezes, nem o tem. Partidos políticos agitam-se e
manejam ADIN’s (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o preceito
sancionado. À sua vez, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também judicializou
a questão, mas posicionando-se a favor desse “novo juiz”. Agora, já no início deste novo ano (dia 2), um
grupo composto de 50 magistrados federais divulgou um manifesto a favor da nova
figura, onze (11) dos quais teriam atuado nos processos da “Lava Jato”. A certa
altura do texto, afirmaram: “...o novo mecanismo é uma figura indispensável
à densificação da estrutura acusatória do processo penal” (imparcialidade do juiz e separação das
funções dos sujeitos processuais) e a concretização
dos direitos humanos”.
Para quem
acompanha o imbróglio, uma pergunta não quer calar: por que tanta confusão? Os
mais entendidos buscam justificativas até em experiências de outros países,
embora a realidade brasileira seja peculiar.
Quem se coloca contra a implementação desse novo sistema inquisitório
agarra-se ao argumento de que o ‘JUIZ DAS GARANTIAS” pode ser “contaminado”.
Contaminado com quê? A corrente favorável apega-se, também, ao argumento da “modernidade”,
na linha do chamado avanço civilizatório,
à proteção da cidadania... e por aí vai o discurso.
Esses
argumentos me agradam, em tese. Observo, todavia, que a principal justificativa
para a implantação dessa novidade é separar a autoridade que preside o inquérito,
da que recebe a denúncia, promove a instrução do processo e o julga. Vale
dizer, para o mesmo fato delituoso entrarão em ação dois juízes, para “evitar
parcialidade” do juiz julgador, afastando-o do risco de “contaminação”
na captura das provas na fase do inquérito. Para o legislador, a morosidade
da máquina judiciária não foi considerada – é o que se deduz.
Meu Deus! Toda
essa confusão por causa da “imparcialidade” do Juiz-Julgador? Esse raciocínio parte da premissa de que o
Juiz-Investigador (fase do inquérito) é, necessariamente, “imparcial” (!?) e
não corre nenhum risco de “contaminação”. Parece até que, entre uma fase
processual e outra, há um vírus de uma doença contagiosa, contra a qual não há
vacina. É o que também se deduz.
No meu modesto saber, a “parcialidade” (ou
“imparcialidade”) forma-se, em sua gênese, com um componente subjetivo
inevitável: a vulnerabilidade. É da
natureza humana a fragilidade comportamental, a depender das circunstâncias de
cada caso e da postura de cada juiz. Quero dizer: se o juiz que vai conduzir o
inquérito quiser “direcionar” as provas para o interesse do órgão acusador ou da
defesa do indiciado ele conduz. Nem é preciso a chamada “contaminação”. Se esta
se evidencia no curso do procedimento investigativo, é absolutamente
compreensível que o prejudicado recorra ao órgão competente, escorado nos
inafastáveis princípios da “ampla defesa e do contraditório”, cláusulas pétreas
incrustadas na Constituição Federal. Também
pode ocorrer que o “indiciado” não queira dizer nada no “Juízo das Garantias”,
reservando-se para se manifestar na instrução
do processo a ser conduzido por outro juiz. O “Juiz das Garantias” não
poderá obrigar ninguém a falar ou calar. Também poderá ocorrer que o
“indiciado” manifeste-se perante o “juiz das garantias” com uma versão, sobre o
fato e, no “juízo de instrução”, com outra tese defensiva, a depender da
argúcia e da versatilidade do seu advogado, no legítimo exercício de sua
profissão. Nem por isso, se poderá argumentar que o causídico “ganhou muito
dinheiro”, pois poderá patrocinar a defesa do réu até de graça, se a causa lhe
fascinar.
Bastam essas conjeturas para se concluir que o
“Juiz das Garantias”, a priori, não
garante direitos inerentes à dignidade da pessoa humana. Racionar de forma
diferente é admitir, implicitamente, que a contrariedade
(pública e notória) do autor do projeto original, à sanção presidencial, o atual
Ministro da Justiça e Segurança Nacional, fora “contaminado” em julgamentos
pretéritos. É isso que faz transparecer a sua reação hostil ao ato
sancionatório do seu superior hierárquico. Se não é isso, outras razões não confessadas
estão no campo das cogitações livres, ao sabor do analista.
Com essa linha
de raciocínio, o observador atento – ainda que leigo em matéria jurídica -,
poderá conjeturar que a juíza que substituiu o então juiz, na Justiça Federal
do Paraná, no julgamento de casos deixados foi “contaminada” por eventuais
vícios de sentenças proferidas anteriormente, já que, segundo a mídia, teria
“copiado” trecho de sentença anterior contra o mesmo réu, mas por outro
fato. A propósito, quem assistiu ao
interrogatório do ex-Presidente Lula, perante a mesma magistrada, deve ter
observado o tom imprimido, já no
início da audiência: “Se o senhor se portar assim, iremos ter problemas”. O réu (interrogando) apenas havia perguntado
se o famoso “Sítio de Atibaia” estava registrado em seu nome, no Cartório! Haveria “contaminação” nessa postura da
magistrada? A Indagação tem pertinência?
Ou não? Cada um faça o seu juízo.
Ao meu pensar,
portanto, o problema que a norma legal inovadora está suscitando não me parece
residir na quantidade de juízes nos
processos criminais, nem na sua estrutura logística e na exiguidade do tempo
para a sua efetivação, mas, sim, na vulnerabilidade ínsita de todo ser humano, que tanto pode se manifestar na fase
inquisitorial, como na fase de instrução e julgamento. Os riscos de tendenciosidades
comprometedoras são os mesmos. E assim o
digo, porque tanto a palavra ”parcialidade” (ou “imparcialidade”), como o
vocábulo “contaminação” - que vem sendo utilizado para justificar a
inovação procedimental - têm, em sua gênese, a subjetividade. É dizer,
depende do sujeito que pratica o ato, seja para a coleta de provas na fase do
inquérito, seja para instruir e julgar o processo. É evidente que não se pode
generalizar, pois há milhares de juízes espalhados nesse continental país que
se excluem dessas conjeturas, pelo seu comportamento impecável.
De tudo que se
comenta a respeito desse assunto, há uma faceta polêmica que poucos exploram,
qual seja, o alcance da norma sancionada. A meu pensar, não
alcança processos já instaurados – ainda que não sentenciados ou que,
sentenciados, estejam em grau de recurso.
A explicação é simples: trata-se de lei de natureza penal e, por isso, não pode ter efeito retroativo, a não ser para
beneficiar o réu. É o que se extrai do inciso XL, do artigo quinto (5°) da Constituição
Federal. Destarte, se os desígnios da
lei, ora comentada, foram direcionados para os réus da “Lava Jato”, o Supremo
Tribunal Federal (STF) prepare-se para longos debates. É esperar para ver.
Estarei na arquibancada, com lupas e binóculos, para agregar mais saberes
jurídicos.
.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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