Apologia do livro físico.
“O LIVRO NÃO
ACABA”
Por
Benedito Ferreira Marques
Em um
encontro fortuito com o editor de meus livros, amigo José Vieira, em Goiânia (GO), indaguei-lhe se os avanços da
tecnologia, principalmente na área de comunicação de massa, poderiam acabar com
o livro físico. A resposta foi
incisiva: “o livro não acaba”. E passou a justificar sua afirmação, com um
discurso entusiasta sobre as virtudes do livro. Após várias considerações,
instiguei-o a sugerir-me um título para um texto, exaltando o livro físico. Sua
resposta foi enfática: “O livro não acaba”, eu daria esse
título. A firmeza da frase, para mim, significou uma convicção tão acentuada,
que resolvi prestigiá-lo com o título sugerido.
A partir dessa breve
interlocução, dei-me a refletir sobre a modernidade dos meios de comunicação e
seus efeitos na formação de opiniões. De logo me ocorreu avaliar o sucesso
midiático da “Caneta Azul”, que percorre o mundo inteiro, disseminada pelas
redes sociais e pela televisão. Até a Banda
de Fuzileiros Navais”, no Rio de Janeiro, deu-se ao prazer de executar a
música. Comenta-se, à boca pequena, que até nos Estados Unidos a modesta canção
de um nordestino humilde, do Sul do Maranhão, ganhou espaço nas mídias
americanas. Críticos e analistas consideram um “fenômeno musical”, apesar da
simplicidade da letra e do seu autor. Avaliam que esse “fenômeno” é passageiro,
assim como o foram outros, tais como “O
nome dela é Jennifer”, “Assim você me
mata” e outras tantas. Também há
quem divulgue a engraçada música como simples galhofa ou deslavado deboche, a
revelar preconceitos e xenofobia. Fico a me perguntar se o “famoso cantor e
compositor” está ganhando algum direito autoral, ou quem está se aproveitando
do “sucesso efêmero” de uma pessoa humilde.
Não podemos esquecer, porém, que há um deputado federal eleito por três
mandatos seguidos, e com votações expressivas, porque ganhou fama com uma igualmente
simplória, que cantarolava em espetáculo de circo. Essa figura popular continua
“tiriricando” nos recintos da Câmara dos Deputados, em Brasília, muito
respeitado por sua postura ética e discreta. Almejo que o meu conterrâneo Manoel Gomes esteja recebendo algum
bônus por seus direitos autorais.
O introito deste
texto serve para incitar leitores a refletirem, também, sobre a supremacia de
modernas tecnologias em face dos instrumentos e meios com que se alcançava, no
passado, todas as utilidades hoje desfrutadas. A bicicleta tomou o lugar do
cavalo arreado; a moto tangenciou a bicicleta; o fogão a gás aposentou os
fogões de lenha; a geladeira expulsou o pote de cerâmica; a energia elétrica
retirou das paredes as lamparinas e assim por diante. Mas há saudosistas
confessos – entre os quais me incluo –, que não esquecem nem abominam esses
antiquados instrumentos, a despeito das ferramentas de fácil manuseio que a
tecnologia, em seus avanços irrefreáveis, propicia a todos nós. Assisto a jogos
de futebol dos times de minha simpatia, em grande tela de TV, mas não desprezo
o meu radinho de pilha ao lado. É muito mais emocionante o grito do gol pelo
rádio do que pela televisão, além do que chega sete segundos mais rápido.
Em meio a essas
tormentosas lembranças e comparações, direciono a minha narrativa para a inegável
resistência do livro físico, a
despeito da internet, com seus mais
diferentes meios de acesso à leitura. Por que livros continuam sendo editados –
muitos deles traduzidos em várias línguas? Por que ainda se constroem prédios
destinados a bibliotecas, com amplas salas de leituras? Por que ainda se
promovem exitosos festivais de livros?
Não se pode negar,
evidentemente, que a revolução digital produziu um efeito devastador de hábitos
cultivados, inclusive – e principalmente –, o de leituras em livros.
Computadores sofisticados e com tecnologias de ponta prendem as pessoas na
frente de telas luminosas, horas a fio. Talvez nem percebam que podem estar
prejudicando sua própria visão. Admito
que é mais fácil e mais rápida qualquer pesquisa por meio de computador. As
chamadas “correrias” em tempos de competição condicionam o comportamento das
pessoas. Mas me indago se textos lidos em telas facilitam a retenção dos
conteúdos lidos em consultas de momento. Creio que não.
Nesse pensar
introspectivo, em busca de respostas às indagações formuladas, rendo-me às
virtudes do livro físico. Como é gostoso pegar um livro – novo ou já lido –, e
contemplá-lo, a partir da capa bem escolhida! É um momento mágico que se traduz
na abertura das páginas, uma a uma, lambendo-as com os dedos molhados na
própria saliva; é um momento de êxtase que se revela na curiosidade do seu
conteúdo, a começar pela conferência dos índices e sumários, e até mesmo
dimensionar a sua essência na leitura ligeira de prefácios bem elaborados! Como é agradável
sentar-se debaixo de uma árvore frondosa, à beira de um córrego de águas
suavemente sonoras, à luz do sol gratuito, e concentrar-se na leitura de
páginas seguidas, absorvendo o pensamento e as ideias do autor! É como se
houvesse um diálogo com o autor. Ler um livro é conversar com o seu autor, sim.
Não se trata de adicionar mais conhecimentos, apenas; da leitura se retiram
nuances jamais observadas, e o leitor se distancia no tempo – para frente ou
para trás, para o futuro e para o passado. Não raro, faz uma, duas ou mais
leituras do mesmo livro. E cada vez que o faz, descobre novas facetas, novas
curiosidades, novas perguntas que provocam novas respostas, num caminhar
produtivo e sem fim. E quando já se sente saciado em sua sede momentânea, marca
a última página lida com uma folha seca da mangueira, cajueiro ou outra árvore
que lhe garantira a sombra benfazeja.
Imagino que até a condução de um livro na mão
– por mais leve que seja –, é benéfica, na medida em que propicia um exercício
físico imperceptível para o leitor. Sem dúvida, as letras que compuseram as
palavras, que se transformaram em frases, que formaram capítulos, têm o peso
gigantesco, mas certamente suportável na mente humana. A criatividade do autor,
que se inspira em sentimentos e pensamentos múltiplos, forma opiniões e produz
saberes sólidos na memória. Sustento o entendimento de que o escritor não se
revela, sem antes passar pelo estágio de leitor.
Por essas razões
todas, rendo-me, genuflexo, à majestade do livro físico, e o faço com aplausos
à feliz iniciativa da Associação dos
Amigos de Buriti (AMIB), que vai inaugurar, nos próximos dias, uma
biblioteca com milhares de livros, e disponibilizá-la à comunidade local.
Centenas de livros ganharão casa própria e se oferecerão a quantos quiserem
resistir e manter o saudável hábito da leitura em livros físicos. Ganharão as
presentes e futuras gerações de uma terra vocacionada para a cultura, com
diversos escritores e poetas revelados. Bravos! E para que não fique só nos
aplausos efusivos à louvável iniciativa, ofereço-me como advogado da causa
justa, brindando a quantos queiram com o seguinte monólogo do livro físico:
Psiu! Oi! Tu que passas aí vem a mim.../Sim,
te achegas a mim tu mesmo;/não vieste à minha casa a esmo;/por certo, te moveu
um fim./Faz-me vivo e útil./Sou livre, móvel; não sou fútil./Toca em minha
roupa dura;/abre minhas entranhas;/minha alma é limpa e pura./Não me incomodam
a tuas manhas;/Importa-me o que sonhas./Desfolha, avidamente, a suma;/molha as
pontas dos teus sutis dedos;/me lambe folha a folha,/como se fosse apenas
uma;/segue o comando da tua escolha;/ e afugenta os teus medos./Ouve-me no
silêncio de quem me fez;/ausculta-me a essência e a solidez./Dir-te-ei algo,
mais que desejas,/mais que isso, talvez!/ Sou cego, surdo e mudo,/ mas vejo,
ouço e falo,/ se quiseres, tudo./Prenderam-me aqui em vão!/Liberto-me em tua
mão./Acomodaram-me aqui, enfileirado,/nesta tábua tosca e fria,/com vizinhos,
lado a lado,/à guisa de moradia!/Mira os meus lábios balbuciando anseios;/olha
os meus olhos mirando os teus./clamando assédio/e expurgando o tédio!/Sou
livre, móvel de condução fácil;/tenho muito a dar-te:/do saber fecundo à
arte,/nas letras vivas da flor do lácio./Abraça-me! Não me negues o teu
afeto!/Tira-me daqui; me conduz;/a treva se transformará em luz./e, aos teus
olhos, o horizonte aberto.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros
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