O
advogado é indispensável à administração da justiça.
A OAB EXISTE, SENHOR PRESIDENTE
*Pelo
advogado Benedito Ferreira Marques
Tem-se observado, ultimamente, que os
noticiários televisivos trazem matérias que começam a ganhar caráter de normalidade,
e o telespectador já não se espanta com o que lhe parecia anormal. Adapta-se ao “estilo” do Presidente da República, como se
todos nós fôssemos obrigados a segui-lo em seus impulsos e declarações
polêmicas. Entendo que não deve ser assim, pois somos uma sociedade plural.
De
repetente, uma patética indagação ecoou na mídia: quem é a OAB? A estranha pergunta foi feita pelo Presidente da
República a um interlocutor da imprensa. Não ouvi a resposta do entrevistador
sequioso por notícia nova. Respondi para mim mesmo o óbvio, como se estivesse
presente ao encontro fortuito, de certa forma constrangedor, diante da
injustificável dúvida presidencial.
A indagação comporta, de logo, duas observações
gramaticais: 1ª.) a sigla OAB é
privativa da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme o art. 44, §2° do seu
Estatuto. Por ser a sigla feminina, foi correto o emprego do adjetivo
determinativo “a”; 2ª.) não caiu bem, entretanto, o emprego do pronome “quem”,
porque não se trata de uma pessoa física (natural). A OAB é uma pessoa jurídica. Não é “quem” quer que seja. Desculpem
o aparente trocadilho, mas peço que não reparem os reparos. Oportunizam-se pela procedência de quem se
pronunciou.
Cumpre-me adiantar que o propósito desta abordagem
não é traçar um histórico da criação e da necessidade dessa notável entidade classista,
de tantas e gloriosas participações em momentos marcantes da vida nacional, o
que lhe garantiu – e ainda garante -, o prestígio e o respeito que detém
perante a sociedade. O que me anima a produzir essa narrativa é demonstrar que a OAB existe, e existe sob o abrigo de
uma legislação robusta que ninguém pode ignorar, muito menos quem,
presumidamente, participou da aprovação da lei que a rege no Congresso
Nacional. Refiro-me à Lei nº8.906,
de 4.7.1994, e à Lei Complementar n°73, de 10.02.1993. A
primeira sustenta a existência legal da OAB, enquanto a segunda – que, na ordem
hierárquica das leis, se situa um degrau abaixo da Constituição Federal -, é
considerada o marco regulatório da Advocacia
Geral da União, que obedece a sigla AGU.
OAB e AGU compõem-se de advogados.
E não preciso dizer que, para ser advogado, são necessários, entre outros
requisitos, o curso de bacharelado em Direito e o Exame da OAB, sabidamente
rigoroso e temido pelos candidatos, sobretudo por aqueles que fizeram seus
cursos em salas de cinema, depois da sessão das 22 horas !!! Dizem que há, e
não duvido, tantos são os que se instalaram por aí, nos rincões mais distantes
deste País-continental. Desde o ex-Ministro Paulo Renato, esses cursos foram
liberados sem freios.
Pois bem.
Não é concebível – ao menos no plano da lógica
-, que um membro do Congresso Nacional ignore a existência da OAB, cujo
Estatuto foi aprovado pelo Poder Legislativo federal, por lei sancionada pelo
então Presidente da República, Itamar
Franco, de saudosa memória. Também me parece incrível que uma Lei
Complementar, que exige quórum qualificado para aprovação, e que criou
a AGU, seja publicamente desconhecida, ao menos no que se refere às exigências
para a inscrição dos candidatos aos concursos públicos de acesso às carreiras
abrigadas nesse Órgão (procuradores, consultores jurídicos e outros) tão
importante para o País, inclusive pela atribuição exclusiva conferida ao Advogado Geral da União de assessorar o
Presidente da República (LC n°73, art. 4°,
inciso VII).
O
Estatuto da Advocacia (EOAB), incorporado na citada Lei nº8.906/1994, contém
regras claras e sábias. Para os propósitos do texto ora apresentado, permito-me
destacar apenas os seguintes preceitos: a) o art. 3°, que preconiza a submissão
da Advocacia Geral da União (AGU) às normas estatutárias da OAB, no que
concerne ao exercício da advocacia, no caso, pública; e b) o artigo 44, assim redigido:
“A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
serviço público, dotada de
personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I –
defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático do direito, os
direitos humanos, a justiça social, e
pugnar pela boa aplicação das
leis, pela rápida administração da
justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover,
com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos
advogados em toda a República Federativa
do Brasil”.
Não sem razão, levantamentos indicam que estão
inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, em todo o País, mais de um milhão de
advogados, entre os quais me incluo, há mais de 50 anos. É um número
aparentemente elevado, se não se considerar que a população brasileira passe de
200 milhões de habitantes, e que o aumento de demandas judiciais cresceu muito,
em razão da conscientização de cidadania.
Da Lei
Complementar n°73/93, é bastante destacar a exigência contida no art. 21,
§2°, segundo o qual o candidato a concurso público para ingresso nas carreiras
da AGU deve comprovar, já no ato de inscrição, a prática forense pelo
tempo mínimo de dois (2) anos. É evidente que essa comprovação passa pelo
exercício da advocacia, ou seja, pelo chama ministério
privado.
A despeito da clarividência das considerações
já produzidas neste texto, penso que a resposta mais contundente que se pode
dar à indagação formulada, de viva voz e em cores, através da mídia –
certamente dirigida a qualquer cidadão que pudesse respondê-la -, está no
artigo 133 da Constituição Federal, cujo cumprimento, aliás, foi jurado na
posse do dia 1º de janeiro de 2.019, pelo primeiro mandatário da nação. Transcrevo:
Art. 133. O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei.
Nada tão claro! Nada tão constitucional!
Ao meu pensar, o preceito constitucional acima transcrito,
com justificável destaque, tem matiz de cláusula pétrea, vale dizer, não
pode ser retirado da Constituição, principalmente por meio de um simples
decreto assinado com caneta Bic, ao gosto presidencial!!!
Em conclusão, é forçoso acentuar que a pergunta
feita pela maior autoridade do País, ora respondida, não se afeiçoa com quem,
confessadamente, passou 28 anos na Câmara dos Deputados, em cujo período foram
editadas as Leis retro comentadas. Muito menos se concebe que elas sejam
descumpridas, porque o juramento da posse também compreendeu o respeito às
leis. Se algum fato praticado por algum advogado não agradou Sua Senhoria, a
OAB não pode ser culpada, muito menos os milhares de causídicos que prestam
serviços nobilitantes em todo território nacional. Quem se sente honrado com o título de ADVOGADO também se
sentiu ofendido em seus brios. Daí
este meu grito em tom de protesto, que espero não seja isolado.
A “senhora” OAB
existe, “Senhor” Presidente.
P.S. – Tenho empregado
a palavra Senhor entre aspas, em textos anteriores, para respeitar os
ditames de um recente decreto do Presidente da República, extinguindo o pronome
de tratamento “Excelência” e outros, mesmo não pertencendo à Administração
Pública Federal. Já comentei o assunto
nesta coluna.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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