PEDRAS NOS SAPATOS
*Por Benedito Ferreira
Marques
“A situação da Amazônia
é um triste paradigma do que está acontecendo em muitas partes do planeta: uma
mentalidade cega e destruidora que favorece o lucro à justiça...”
“Essa atitude coloca em
evidência a conduta predatória com a qual o homem se relaciona com a
natureza. Por favor, não esqueçam que justiça social e ecologia estão
profundamente interligadas. O que está acontecendo na Amazônia terá repercussão
em nível planetário, mas já prostrou milhares de homens e mulheres roubados de seu território, que se tornaram
estrangeiros na própria terra, esgotados de sua própria cultura e tradições,
quebrando o equilíbrio milenar que uniu esses povos à sua terra”
Essas palavras
foram proferidas pelo Papa Francisco, diante de
representantes do grupo que reúne pessoas e associações na Itália, empenhadas
na difusão do pensamento da Encíclica. Entre essas entidades, destaca-se um
movimento ambientalista que sustenta o lema ecologia integral.
Na mensagem
papal, o Pontífice deixa claro que são os pobres que pagam o preço mais alto
pela devastação ambiental, o que se retira dos seguintes trechos:
“(...) Os ferimentos causados ao meio
ambiente são feridos inexoravelmente causados à humanidade mais indefesa...”o
homem não pode permanecer um espectador indiferente diante dessa destruição,
nem a Igreja deve ficar em silêncio”.
Trata-se
de um alerta da maior autoridade da
Igreja Católica Apostólica Romana que ecoa justamente no momento em que a mídia
brasileira e internacional, em jornais, revistas e canais de TV, confere
especial destaque ao acordo entre o Mercosul
e a União Europeia, no qual se
preconiza o chamado “livre mercado”, favorecendo os dois blocos. Para muitos, é
uma conquista histórica, eis que esse acordo vinha sendo discutido há cerca de
20 anos. Daí a euforia com que foi recebida a notícia, durante a viagem do
“Senhor” Presidente da República, ao Japão, onde se encontrou com os estadistas
das 20 maiores economias do mundo. Ao que comentou a imprensa, os
representantes do Brasil e da Argentina chegaram a comemorar com estardalhaço,
repercutindo no mundo inteiro. Mas, do outro lado, também foi noticiado que os representantes
da França e da Alemanha torceram seus narizes para esse acordo, que, aliás,
ainda não ganhou efetividade, mercê de entraves burocráticos. Esses dirigentes
europeus fazem restrições à política
ambientalista e ao tratamento dispensado às questões indígenas em nosso País. São pedras que se colocam nos
sapatos do atual governo brasileiro, porque não conseguem desvencilhar-se das
amarras conservadoras e ideológicas marcadas pelo maniqueísmo estúpido, cego e
perverso, em nome de tradições já ultrapassadas pela modernidade dos novos
tempos. Nota-se um apego exacerbado ao revanchismo grotesco e sistemático que
não se esgotou com os resultados das urnas de 2018. O pouco que foi feito nos
primeiros seis meses vem sempre com a etiqueta comparativa com governos anteriores.
Parece que a campanha eleitoral não acabou. Se não é isso, aflora o vazio do
nada feito.
Como
reação às desconfianças dos governantes europeus (França e Alemanha), o
Presidente brasileiro os convidou a virem ao Brasil e sobrevoarem florestas
amazônicas. Tomara que os ilustres convidados aceitem o desafio e venham à
terra dos campeões da Copa América de futebol masculino. Não para submeterem os brasileiros à
humilhação e comprometerem a nossa soberania, mas para que enxerguem, sem binóculos,
as extensas clareiras que se formaram em meio às florestas da Amazônia e dos cerrados,
ocupadas por pastagens a perder de vistas e infinitos campos de soja para a
exportação, em detrimento da agricultura familiar que abastece o mercado
interno.
Seria
interessante que essa coragem do Presidente brasileiro fosse estendida para
sobrevoos nas aldeias indígenas. Aí, sim, o convite do Capitão-Presidente faria
mais sentido.
É de curial sabença da sociedade brasileira e
estrangeira que a questão ambiental continua sendo um dos maiores desafios para
todos os governantes e classes produtoras. Busca-se uma fórmula que concilie o desenvolvimento sustentável preservando-se
o meio ambiente. Mas o que se anuncia na Pasta do Meio Ambiente e nas políticas
do campesinato, no Brasil, são medidas contrárias a esse desejado equilíbrio.
A questão
indígena, por sua vez, agora mais do que nunca, é tratada com indiferença, e
até mesmo com ações marcadamente hostis, como se os povos indígenas fossem
alienígenas. São considerados “pesos mortos” para o governo, tal como o são as
comunidades quilombolas. Observa-se uma rejeição programática, para não dizer
sistemática, contra esses segmentos.
As palavras do Papa Francisco, portanto, são
oportunas e benfazejas. Merecem divulgação massiva, não apenas na mídia, mas,
sobretudo, nos templos, igrejas e capelas que se espalham Brasil a fora, em
todos os cantos e pontos. Não podem ser tangenciadas como se se tratassem de um
trecho bíblico, lido e interpretado nos cultos e celebrações dominicais. A
mensagem do Pontífice soa como um clamor; ou mais do que isto, uma voz eloquente
que se traduz num apelo a todos quantos devastam florestas, envenenam os
recursos hídricos e varrem do seu habitat
gente como a gente, índios e negros das comunidades quilombolas. O desmatamento
pode (e deve) ser tratado como ecocídio, crime contra a natureza e o
homem. A ganância dos que destroem, impiedosamente, extensas áreas de florestas
- e, com elas, a vida humana -, ganha
contornos delituosos que justificam a tipificação criminosa do ecocídio, até porque sabem que não há
fiscalização eficiente, o que lhes garante a impunidade. Não vejo diferença entre os ecocidas e os
“predadores” a quem se referiu o Papa Francisco; não vejo diferença entre a
volúpia do lucro insaciável e a “ganância” a que se reportou o Pontífice, na
mensagem encimada.
Para mim,
particularmente, o ecocídio é tão ou mais cruel do que a corrupção que, em boa
hora, está sendo combatida. A diferença
é que o produto da corrupção pode ser recuperado, ao menos em parte, enquanto a
devastação das florestas e a dizimação da fauna precisam de “forças-tarefas”
também - com ou sem vazamentos de trocas de mensagens corporativas – para a
reposição da natureza violada para as futuras gerações.
A volúpia predatória mostra-se indômita e
perversamente voraz. Não sem razão, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE) acaba de divulgar que o desmatamento na Amazônia teve um crescimento
de 88% de junho/2018 a junho/2019, abrangendo uma área de 920 mil quilômetros
quadrados. Isso é gravíssimo,
ainda mais quando são dados referentes somente à Amazônia. Imagine-se a soma
dos desmatamentos em outras regiões do País!
Devo esclarecer a quantos acessam esta coluna,
que o texto desta semana é mais do que um desabafo, porque reflete uma revolta
consciente, e, uma vez mais, revela a minha preocupação com o que se passa nas chapadas
do nosso município de Buriti (Maranhão) e de tantos outros, em todas as regiões
do nosso Brasil de riquezas mil.
Torço para que os governantes da França e da
Alemanha aceitem o audacioso convite do primeiro mandatário da nação
brasileira, porque, só assim, testemunharão que há pedras nos sapatos que
calçam os que se proclamam “acima de tudo” e abaixo de Deus, para que a
efetivação do acordo festejado não caia nas malhas de mais uma frustração.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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