Análise crítica sobre a desarmonia
dos Três Poderes.
AS PILASTRAS TRINCADAS DA
REPÚBLICA
*Por Benedito Ferreira Marques
O
Senado da República, por 47 votos contra 28, derrubou os decretos do Chefe do
Poder Executivo, que dispunham sobre a flexibilização da posse e do porte de armas
de fogo. O Presidente chiou, mas, temendo nova derrota no Supremo Tribunal
Federal (STF), onde a matéria seria apreciada em ações ali propostas, revogou
os tais decretos e baixou outros. Na véspera da sessão do STF, o Senado volta à
cena e coloca em pauta um Projeto-de-lei dispondo sobre a “posse estendida” de
armas de fogo nos imóveis rurais. E mais que isso: retira da gaveta o Projeto
de iniciativa popular (com mais de 1.7 milhão de assinaturas) sobre “crimes
contra a corrupção”, e, ao mesmo tempo, o que dispunha sobre “abuso de
autoridades”. O Senador-relator conseguiu “costurar” um texto único, ao ponto
de ser aprovado por maioria. Os três projetos ainda vão ser apreciados pela
Câmara dos Deputados. Ainda sobre o Poder Legislativo, faz bem a este texto
inserir uma pesada crítica do Presidente do Senado, no dia anterior, ao
comentar a decisão da 2ª. Turma do STF, que adiou a apreciação de um habeas-corpus do ex-Presidente Lula,
apontando suspeição do ex-juiz (hoje Ministro da Justiça e Segurança Poder
Executivo) que o condenara e, por cuja condenação, vem cumprindo a pena há mais
de um ano. Disse o Presidente do Senado: “Se fosse um parlamentar, já teria sido
cassado e preso”. Reportava-se
aos diálogos divulgados pelo The Intercept
Brasil, protagonizados pelo ex-Juiz e
agora Ministro da Justiça e Segurança Pública com o Procurador-chefe da “Força
Tarefa” da famosa “Operação Lava Jato”.
E, ainda sobre o Poder Judiciário, o STF, em sessões plenárias,
criminalizou a homofobia, o que desagradou profundamente ao Chefe do Poder
Executivo, porque o tema tinha sido uma de suas bandeiras na campanha presidencial
de 2018. O Judiciário “legislou” por
vias oblíquas, uma vez que o Poder Legislativo não o fez, a despeito de vários
projetos nesse sentido. Insatisfeito, o Presidente não conseguiu guardar a liturgia do cargo e, por sua própria
voz, criticou publicamente a decisão do Poder Judiciário. Como jurista,
considero do meu dever lembrar que o juiz não pode negar a prestação
jurisdicional, sob alegação de lacuna ou falta de lei (CPC, art. 140).
Na
noite do dia 26.6.2019, o Ministro Gilmar Mendes (STF), concedeu entrevista a um grupo de
comentaristas da Globo News, durante
a qual, em resposta a uma das várias perguntas que lhe foram feitas, ponderando
que, embora não fosse o momento de discutir o mérito do habeas corpus do ex-Presidente Lula - que aponta a suspeição do ex-juiz que lhe
condenara -, disse estranhar que “nenhum dos envolvidos nos diálogos divulgados
pelo The Intercept Brasil tenha
negado os fatos, senão apenas censurado o mecanismo de captação das
interlocuções”. Devo lembrar que também foi esta a minha opinião em texto
anterior (“A culpa foi do descuido”). Vale dizer, o Ministro entrevistado “tocou na
ferida”. A esse respeito, recordei-me da voluntária presença do ex-juiz
(Ministro da Justiça (Poder Executivo) à Comissão de Constituição e Justiça do
Senado, quando, a certa altura, um senador de Mato Grosso lhe indagou: “É
verdade que Vossa Excelência aconselhou o Procurador-chefe da “Força Tarefa” da
Lava Jato a mandar um Procurador mais hábil para a audiência em que se daria o
interrogatório do ex-Presidente Lula? E o Senhor Ministro, sem
pestanejar, respondeu: “Não é verdade;
tanto não é verdade, que essa pessoa continua atuando nos processos”.
Faltou perspicácia ao nobre senador mato-grossense, para, em réplica, perguntar
ao Ministro, quem era “essa pessoa”, já que não havia falado no nome de
ninguém, senão apenas de “outro procurador”. Também poderia questionar como o
Ministro ficou sabendo que “essa pessoa” continuava atuando nos processos, lá
em Curitiba, se ele deixou de ser juiz há mais de seis meses (?!). Se essas indagações tivessem sido feitas,
provavelmente o Senhor Ministro poderia “gaguejar” nas respostas. Se não isso,
poderia agregar mais informações (esclarecimentos) a que se propusera, perante
a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cujos resultados agradaram à
Presidente do Colegiado, embora não tenha acontecido o mesmo com o Presidente
do Senado, haja vista a sua reação posterior, como registrado atrás.
Na
sequência dos entrechoques dos Poderes da República, a Câmara dos Deputados, à
sua vez, juntou-se ao Senado (Congresso Nacional) e aprovaram uma lei,
limitando os poderes do Chefe do Poder Executivo para indicar presidentes de
Agências Reguladoras. O Presidente, irritado e ferido em seus brios, acusou o
Congresso de querer transformá-lo numa “espécie” de “Rainha da Inglaterra”,
ameaçando vetar “isso aí”... E, para completar o enredo, o Chefe do Poder
Executivo não se cansa de editar medidas provisórias e decretos a seu talante,
provocando questionamentos no Judiciário e irritando o Poder Legislativo.
Ressalvo, a bem da verdade, que outros Presidentes, desde a Constituição de
1988, também editavam muitas medidas provisórias. Mas não me lembro de que as
motivações fossem com propósitos de enfrentamentos; ao contrário, para
construírem “entendimentos”, em nome da governabilidade.
A
verdade é que, nesse “samba de crioulo doido”, a sociedade indigna-se a cada
dia, na medida em que verifica que a proclamada HARMONIA entre os três Poderes
da República não está sendo configurada. Ninguém entende ninguém. Cada Poder
quer derrubar o outro, na busca de protagonismos
pragmáticos, de olho nas eleições vindouras, ou na vitaliciedade da
magistratura, onde a pior pena punitiva é a aposentadoria compulsória, com ou
sem lagostas postas na mesas farta!!!
Todos
esses fatos, envolvendo os Poderes da República, me fazem lembrar José Ortega y Gasset (1883-1955),
considerado o maior filósofo da Espanha no século XX, que deixou uma frase
lapidar, cabível nesta narrativa: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Quero dizer que as circunstâncias
nesses últimos seis meses têm levado a distorções no sistema político e
jurídico sob os mais diferentes aspectos. Isso não é bom para o Brasil, porque
se reflete diretamente na avaliação popular das instituições do País. Não com
surpresa, a última pesquisa do IBOPE revelou que mais da metade dos brasileiros
não confia no atual governo e a popularidade do Presidente caiu para 46%. Bem
que o IBOPE poderia também fazer pesquisas avaliativas dos outros Poderes – o Judiciário e o Legislativo. Seria importante para as reflexões de quem se preocupa
com os rumos do Brasil. Os três Poderes da República podem estar até
independentes, entre si como determina o art. 2° da Constituição, mas em
visível DESARMONIA.
Para
concluir este texto, recorro ao maior arquiteto do Brasil em todos os tempos,
Oscar NIEMEYER, suplicando-lhe, de
mãos postas e genuflexo: Levante-se daí
desse túmulo, retome a sua prancheta e
desenhe uma nova planta das pilastras que sustentam os três Poderes da
República, porque as que “vosmecê” deixou aqui estão trincadas. E para
convencê-lhe, aceite, de bom grado, uns versinhos que fiz em sua homenagem,
logo após à sua partida para o Oriente Eterno.
Ei-los:
A OSCAR NIEMEYER
Não.
Não lhe saúdo a celebridade,
nem a sua longevidade.
Festejo a criatividade
da “Capital-cidade”,
que não foi em vão.
O Brasil precisa dos seus talentos;
não, dos que estão
lentos...
lentos e omissos...
lentos e inúteis,
lentos e promíscuos...
incompetentes,
desgraçadamente,
fúteis,
desprezíveis...indolentes.
Ergo a taça do brinde
a quem criou no espaço
e produziu o sublime,
com régua, esquadro e compasso.
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----Go., 09.12.2012 – 17h19
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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