Considerações sobre as revelações do site THE INTERCEPT.
O CULPADO FOI O DESCUIDO
*Por Benedito Marques
Nos últimos dias a opinião pública vem
sendo alimentada por fatos impactantes no espectro político brasileiro, envolvendo
duas figuras exponenciais da chamada “Operação Lava Jato”. Para simplificar a
compreensão do enredo desta narrativa, não indicarei os nomes dos personagens,
limitando-me a fazer referências a um ex-juiz e a um Procurador, posto que não
é meu propósito acusar nem defender os personagens envolvidos, senão apenas
comentar o imbróglio que vem repercutindo em todo o País, no mais longínquo
recanto, graças à mídia. Afinal, alguns poucos me têm na conta de jurista, que
não se confunde com jurisconsulto –
diga-se, desde já. Imagino que os que têm acessado o espaço que me foi
franqueado pelo meu amigo Aliandro Borges
podem estar aguardando minha opinião sobre os fatos ocorrentes.
Com
esse introito, preciso adiantar que não me anima fazer incursões sobre todos os
fatos de natureza político-institucional que marcaram a última semana, desde a
demissão de Ministro com patente militar, e do Presidência do BNDES, à
aprovação de matérias no Congresso Nacional, de interesse e contra os desígnios
governamentais, e, para completar o triângulo dos Poderes da República – pilar
da DEMOCRACIA -, a decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal,
criminalizando a homofobia. Tudo isso é matéria prima para comentários, mas me limitarei
aos vazamentos de informações divulgadas pela Intercept, pela singularidade
do assunto, que poderá causar uma reviravolta de grandes proporções no panorama
nacional, sobretudo no âmbito da apelidada “Operação Lava Jato”, e seus
possíveis desdobramentos, notadamente com relação à condenação e prisão do
ex-Presidente Lula. Não me parece, a
priori, que esta operação seja afetada em seu todo, a despeito de algumas
opiniões em sentido contrário.
Com efeito, o assunto envolve, de logo, duas
considerações. A primeira é a condução da matéria pela mídia, buscando dar
maior foco ao que chamara “invasão cibernética” nos celulares dos dois personagens,
processo esse classificado como fraudulento.
A segunda consideração é saber se os
fatos divulgados são verídicos, independentemente dos resultados
das investigações que estão sendo conduzidas pela Polícia Federal. Uma coisa
não anula a outra, isto é, ainda que o processo de captação das interlocuções
tenham sido fraudulentas, o conteúdo das informações vazadas não perde a sua
validade intrínseca, desde que sejam confirmadas por outros meios. Evidentemente,
se forem verdadeiras as informações divulgadas, consequências jurídicas
ocorrerão nos processos de que tenha participado o ex-juiz, a partir do
recebimento de denúncias, ao menos com relação ex-Presidente Lula, acusado,
denunciado, condenado e preso desde o dia 7 de abril de 2018. Ao que se sabe, somente os seus advogados
suscitaram a imparcialidade (suspeição) do magistrado, até há bem pouco
tempo, transformado em “herói nacional”! Se outros envolvidos procederam do
mesmo modo, os desdobramentos dos vazamentos poderão alcançá-los, para o bem ou
para a manutenção do status quo.
Atenho-me, porém, apenas ao ex-Presidente Lula, para quem se ostentam faixas,
cartazes e camisetas com o lema “Lula Livre”. Não vejo para outros presos,
condenados ou não.
Não me parece oportuno discutir a controvérsia
sobre o início do cumprimento da pena depois de a sentença condenatória ser
confirmada pelo segunda instância, no caso, o Tribunal Regional Federal da
Quarta Região (TRF-4), e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), envolvendo
nove (9) julgadores, circunstância que substancia o discurso de “justa
condenação”. Se essa equação matemática não me convence, enquanto cidadão livre
de vinculações partidárias, não há por que incursionar-me nesse assunto.
Interessa-me, precipuamente, opinar sobre o escândalo dos vazamentos e suas
consequências jurídicas, até os limites de minha compreensão.
Pois
bem. A primeira consequência foi a decisão do Ministro Gilmar Mendes (STF) de colocar em pauta o julgamento de um habeas corpus impetrado pelo
ex-Presidente Lula, no qual alegou justamente a imparcialidade do ex-magistrado sentenciante. Anote-se que o referido julgamento já se
iniciara antes do pedido de vistas dos autos pelo citado Ministro, em
dezembro/2018, depois de dois (2) votos contrários à pretensão do impetrante. Esse
julgamento será retomado no próximo dia 25 deste mês. A pergunta que se faz é se
a 2ª Turma do STF vai considerar ou não as interlocuções entre o ex-juiz e o
Procurador, a partir do raciocínio de que as investigações das interceptações
dos diálogos ainda estão em curso, ou se as meras divulgações de conteúdos
pontuais já se bastam para formar juízos. De logo convém esclarecer que o
julgamento não terminou e que até os Ministros que já proferiram seus votos
podem mudar de opinião, a depender do seu convencimento diante dos novos fatos
que, perspicazmente, já foram levados aos autos do processo pelos patronos de
Lula. É esperar para ver.
Em meus
52 anos de advocacia, sempre compreendi que o advogado, enquanto representante da
parte (autor ou réu) deve focar sua atuação num processo com três preocupações:
ALEGAR, PROVAR e PEDIR. Alegar os fatos e enquadrá-los na lei pertinente, de acordo
com as teses que vai sustentar; provar o que for alegado; e, finalmente,
formular, corretamente, os pedidos que interessam ao seu constituinte.
No caso
concreto objeto desta abordagem, foi alegada a imparcialidade do
ex-juiz, pelo fato de haver este abandonado a magistratura para aceitar o cargo
de Ministro do novo governo da República, instalado no dia 1º de janeiro de
2.019. Vale dizer, uma alegação baseada em evidências
comportamentais refletidas em várias
passagens durante a tramitação do processo, antes e depois da própria
condenação. É difícil acreditar, de sã
consciência, que os patronos do ex-Presidente Lula já soubessem do conteúdo das
informações agora vazadas pela Intercept,
captadas em 2016. Se delas tinham conhecimento, certamente teriam utilizado o
material antes da sentença e nos recursos contra ela interpostos, depois. Na
minha compreensão, não cabe a habitual indagação na linha de qualquer
investigação: a quem interessa a
divulgação das informações vazadas, três anos depois? Claro que o conteúdo, tal como foi noticiado na
mídia, mesmo fragmentado, interessa ao ex-Presidente Lula, inclusive para os
julgamentos dos seus recursos pendentes. Mas – convenhamos - não se lhe pode atribuir a autoria da colheita
de diálogos ocorridos antes de sua condenação e subsequente prisão. O óbvio
salta aos olhos mais leigos.
A partir
dessas premissas, cumpre indagar a pertinência das provas relacionadas com o
conteúdo do que foi divulgado – e continua sendo em forma fragmentada -, e qual
o grau de confiabilidade dos diálogos
para a formação de juízos, principalmente daqueles a quem estão afetos os
recursos e defesas produzidos em processos manejados contra o ex-Presidente
Lula pelos Procuradores na Operação Lava Jato, iniciados ainda pelo ex-juiz. A
resposta, a meu juízo, está nas próprias declarações feitas pelos dois
personagens, logo após a divulgação dos diálogos, no dia 9.6.2019. O ex-Juiz
declarou, alto e bom som, que “não via nada de anormal”, enquanto
o coordenador da chamada “força-tarefa” composta pelos Procuradores, além de
não negar o conteúdo das falas a ele atribuídas, saiu-se com explicações sobre
os seus feitos, incluindo a recuperação vultosa de valores frutos de
corrupções. Tudo bem, palmas para ele! Mas, e as declarações?
Na
minha experiência de mais de cinco décadas na advocacia – como já acentuei -,
sei que há diálogos entre juízes e promotores e advogados e, no caso de
processos criminais, com policiais. Isso é verdade. Mas não para “arranjos e
combinações” ou para favorecer uma das partes em detrimento da outra parte. É
preciso pontuar que, nos processos criminais, sejam os da Operação Lava Jato,
sejam quaisquer outros de natureza criminal, o Ministério Público não opera como
“fiscal da lei”, mas como parte, representando
a sociedade, justamente porque é o órgão acusador, que formula as denúncias. E,
como parte
no processo, não pode merecer atenção maior do juiz do que a que recebe o
advogado da outra parte, cujas prerrogativas lhe são garantidas, a partir da
Constituição Federal, que o coloca como “indispensável à administração da Justiça”
(art. 133).
Daí se segue que a confirmação dos fatos
vazados pelos próprios personagens envolvidos nas interlocuções, via celulares,
me parece prova válida, na categoria de confissão na sistemática processual,
ao ponto de autorizar que a doutrina a classifique como a “rinha das provas”. E
mais que a confirmação, o ex-juiz já admitiu, também em declarações públicas,
que houve um “descuido” de sua
parte.
Nesse
contexto, não cabe tergiversar, depois das confirmações explícitas. Soa
insensatez e incoerência com a realidade que se apresenta aos olhos de milhões
de pessoas, daqui e do exterior, pois se sabe que o ex-Presidente Lula já
concedeu entrevistas a inúmeros jornais de outros países (NY Times, Le Monde, El Pais, The Guardian e outros), enquanto o
ex-juiz se contenta em fazê-las em programas televisivos locais de audiências populares.
O próprio “Senhor” Presidente da República, depois de emitir nota externando “confiança
irrestrita” ao seu Ministro da Justiça, e de tê-lo levado a um estádio de
futebol para aferir a sua popularidade, já
não admite 100% da confiança, antes “irrestrita”, na nota lida por seu
porta-voz palaciano São sintomas que merecem reflexões, se possível,
desapaixonadas.
Não me
atrevo a assegurar que todo esse cenário vai desencadear a soltura do ex-Presidente
Lula, no habeas corpus com julgamento
pautado para o dia 25 deste mês, e/ou se vai refletir-se em todos os processos,
cujas denúncias foram recebidas pelo ex-juiz. Por que
não? Porque há um clima nebuloso nos horizontes dos três Poderes da
República. Mas, seguramente, a opinião pública tem elementos para formar
convicções, mantendo as que já estavam sedimentadas, ou reavaliando posições
tomadas antes, inclusive do seu voto nas eleições presidenciais de 2.018. O que
eu, particularmente, espero é que “descuidos” ocasionais não se
transformem em regra, e sejam cometidos outros por quem tem a responsabilidade
de combater a corrupção e a violência neste País conturbado, nem que o
Ministério Público se preste, em situação pontual como esta, a desserviços à
sociedade, para não comprometer o nobilitante papel que lhe foi conferido na
Constituição de 1988.
A JUSTIÇA ACIMA DE TUDO E
DEUS EM FAVOR DE TODOS. Amém.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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