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Coluna SIM, É O BENEDITO: Instrumentos Rústicos em Comportamentos Públicos

Parâmetro entre instrumentos utilizados em animais de serviços e atitudes de agentes dos Poderes da República. 
INSTRUMENTOS RÚSTICOS EM COMPORTAMENTOS PÚBLICOS
*Por Benedito Marques
  Menino ainda, com pouco mais de seis anos de idade, fui transportado como carga, dentro de um jacá, do povoado Barro Branco, rumo à cidade, então chamada Buriti de Inácia Vaz (Maranhão), no dia 02.01.1946. Eu e mais três irmãos. Era o primeiro passo de um projeto audacioso concebido por meus pais, à luz de lamparinas, com o propósito de iniciação nos estudos. Não conhecia uma letra sequer. Era, portanto, totalmente analfabeto. Mas, certamente, não era burro, no sentido literal da palavra.
Já se passaram quase 80 anos, mas não saiu de minha memória aquela cena. Os jacás, feitos artesanalmente com talas de taboca – também conhecida por bambu -, eram atrelados a uma cangalha, por meio de cordas, feitas de embiras tiradas das palmas de olhos de tucum. Os animais, sobre os quais eram postas as cangalhas, obedeciam ao comando do condutor sentado entre um jacá e outro. As rédeas eram chamadas cabrestos, também feitos com pedaços de cordas.  O percurso daquela inesquecível viagem era de cerca de duas léguas (12 Km).
Passado todo esse tampo, essas recordações me foram aguçadas, a partir de um fato recente, protagonizado por mim e meu professor de educação física (Professor Davi, goiano legítimo e ainda jovem), que vem ministrando meus exercícios físicos em domicílio, por aconselhamento médico, depois de sustos cardíacos por que passei nos últimos meses. Ao me pedir que eu posicionasse minhas canelas dentro de uma liga de borracha, indaguei-lhe o nome técnico de tal elástico, ao que me respondeu chamar-se Mini Band. Foi o bastante para me transportar, como de volta, aos meus tempos de infante, e lhe dissesse em risos: “quando eu era jovem, aprendi que poderia prender minhas canelas com um instrumento rústico chamado “peia”. Riu-se do esquisito nome, porque “peia”, para ele, significava “surra”. Expliquei-lhe que as peias eram utilizadas para escalar palmeiras com alguns metros de altura (coco da praia, juçara e outras).  Mas também serviam para prender as pernas dos animais de serviço (burros, jumentos, cavalos, éguas...), que eram soltos em capoeiras (roças findas), na busca de pastos. Presos a peias, não podiam ir longe. Havia tratador que ainda lhe punha chocalho ao pescoço, para facilitar a sua captura, na hora do trabalho. O mais cruel era o que faziam com os animais de montaria, tendo como componentes dos arreios, rédeas, esporas e bride. Um horror! Afinal, eram animais irracionais que podiam reclamar.
  Terminados os meus orientados exercícios físicos, e retomando a minha rotina (leituras e escritos nos limites da minha visão tênue), deparei-me com uma interessante entrevista publicada na revista EXAME, feita por André Jankavski, no dia 23.5.2.019, com o conhecido filósofo Luiz Felipe Pondé, tido como de linha ideológica à “direita”, com o seguinte título, que me chamou a atenção: “BOLSONARO É BURRO E GOVERNA COMO SE ESTIVESSE EM UM CHURRASCO”. Espantei-me com a afirmação ousada, claro.
Nessa apimentada reportagem, o entrevistado sugere que o Presidente “precisa mudar o tom, se não um novo impeachment pode acontecer”.  Em certa passagem, afirma, categoricamente: “(...) a culpa é de Olavo de Carvalho”. Em outra passagem, assinala que o Presidente “tem um potencial para ser uma liderança nacional populista, mas tem um obstáculo: é burro. Segue um intelectual paranoico e se deixa influenciar pelos filhos que não entendem   nada de sociedade e de convívio democrático”. O entrevistado vai mais longe: sugere que ele deixe a radicalização de lado. Na sua avaliação “o Presidente governa como se estivesse na varanda, fazendo churrasco e gritando com os filhos”. Alerta, ainda, que “ele não tem que ficar perseguindo transexual; isso é coisa de idiota...”  E acrescenta: “(...) a minha suspeita é de que ele é burro e inepto...”  Sem rodeios, vaticina: “(...) o Paulo Guedes (Senhor Ministro) vai ficar de saco cheio e sair do governo…”. Indagado sobre as alternativas para o cenário atual, responde, melancolicamente: “(...) a terceira será ele virar uma espécie de rainha da Inglaterra e se colocar de canto e ninguém mais levar a sério...”
Depois de ler essa entrevista, as peias e cabrestos feitos de corda de embiras de tucum não saíram de minha cabeça. As cenas do interior (no tempo em que não havia motos) voltavam, insistentemente, ainda que eu não fizesse nenhum esforço estimulante. Peias e cabrestos tinham tudo a ver com burros.
E, para aguçar mais ainda as minhas lembranças infanto-juvenis, recebi um vídeo, em que o entrevistado foi o ex-candidato à Presidência da República, sabidamente impetuoso, Ciro Gomes, na qual ele indaga e responde, sem peias e sem cabrestos: “(...) por que ele (“Senhor Presidente”) tem esse ódio anti-intelectual? Porque ele é curto, capacidade de raciocínio em abstrato, ele é quase um burro, quase um jumento, um imbecil mesmo...por isso, tem ódio dos letrados...”.
São realmente fortes essas colocações do filósofo Luiz Felipe Pondé e do político Ciro Gomes. Mas eles sabem o que disseram, e são responsáveis por suas considerações pejorativas a respeito da maior autoridade do País, eleita legitimamente   pelo voto do povo, querendo ou não quase 50 milhões de eleitores que votaram contra ele. Democracia é assim. Quem não venceu, tem que continuar lutando para ganhar na próxima oportunidade. É assim o processo democrático, que também comporta críticas, ainda que mordazes.
Com esta abordagem, não me proponho a tanto. Não por medo, que não tenho, de verbalizar minhas opiniões, mas porque o que me anima é estabelecer um parâmetro entre as duas situações: aquela, dos tempos de então, em que se usavam peias e cabrestos nos animais de serviços, e a que se presencia agora, na atual conjuntura política brasileira, na atuação de agentes públicos, nas esferas dos três Poderes da República, em que são usadas peias e cabrestos institucionais. Não parecem diferentes daquelas práticas, ao ponto de permitir que pessoas autorizadas por suas notoriedades invoquem o substantivo burro, como adjetivo qualificativo para a maior autoridade do País. O rústico e o público se confundem em avaliações de comportamentos, sem qualquer escrúpulo, ainda que pareça estúpido.
São notórias as ações protagonizadas por “homens públicos”, que horrorizam a sociedade, que se divide entre os “prós”, os “contras” e os “indiferentes”. Não sem razão, classificam essas posições como sendo de “esquerda” e de “direita” -  que já não mais se concebem nem se explicam na atual quadra da História -, e se coloca uma terceira posição no meio. Daí o chamado “Centrão” constituído de parlamentares, que usam peias e cabrestos nas votações de projetos oriundos do Poder Executivo, ao sabor de conveniências momentâneas de grupos. As Medidas Provisórias passam, não passam ou caducam. À sua vez, decretos polêmicos, como o de liberação de armas de fogo, são judicializados, envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF). Este, a seu tempo, criminaliza a homofobia, e desgosta o Presidente e seus seguidores ideológicos. E, num autêntico “morde-e-sopra”, o Chefe do Judiciário comparece em reuniões palacianas, regadas a farturentos cafés matinais, e apresenta texto adredemente preparado, contendo sugestões e propostas para um “Pacto de Governabilidade”, que envolvem reformas de conteúdo político e econômico, sabendo que todas essas questões vão desaguar na Corte de Justiça sob sua presidência, em função de competências constitucionais. De duas, uma: o Presidente do Poder Judiciário se considera governo (mesmo sem ter sido eleito pelo povo) e tem soluções prontas para os graves problemas do País, ou confirma o teor de uma carta anônima repassadas nas redes sociais pelo Chefe do Poder Executivo Federal, proclamando a “ingovernabilidade”, o que lhe permitiu convocar “massas de manobras”, vestindo camisas verdes e amarelas, nas ruas e praças, para garantir o seu trono.
   Não me parece exagero ou inoportuno lembrar o famoso “samba do crioulo doido” do século passado!
Enquanto isso, acontecem massacres nos presídios, rompem-se taludes matando gente, desmatam, impiedosamente, as florestas tropicais para a expansão do plantio de soja destinada à exportação, sem que haja compromissos com a reposição das matas devastadas. Se tanto não bastasse, o desemprego permanece nos 13 milhões de trabalhadores aflitos, o PIB cai, a cada trimestre, e o Brasil fica estagnado.  Cinco meses se passaram e “as coisas não andam”. As esperanças de mudanças se esvaziam, velozmente nos ponteiros dos relógios! Fazer o quê? Ir para as ruas.
O que se pode concluir desse panorama triste e desolador é que peias e cabrestos não são coisas do passado, porque continuam sendo utilizados nas práticas políticas, como se seus agentes fossem “burros, jumentos e bestas”, trajando ternos e gravatas.
Resta, porém, uma esperança viva, materializada nas manifestações de estudantes, professores e servidores das Universidades Públicas e instituições privadas e segmentos sociais conscientizados, nas ruas e praças, bradando um “basta” sonoro e realmente patriótico, sem PEIAS e sem CABRESTOS, a lhes tolher os passos e as passeatas longas, ainda que sob o sol escaldante, ainda que sob chuvas catarinenses, colorindo o cenário com guarda-chuvas protetores. “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”, no lição de Fernando Pessoa. E digo eu: “Todo o esforço não será em vão, na luta pela EDUCAÇÃO”!
SOBRE O AUTOR

BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais.NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros 

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