“E aí, Zé, onde estamos chegando?
- Em Alcântara? É no
fim do mundo... é no Maranhão”
- Mas é longe... mas
é longe...”
O
FIM DO MUNDO É LONGE
Comentário crítico sobre a propaganda enganosa
da Base Espacial de Alcântara
Às
vezes me pergunto: para que serve a propaganda? Quando menino, já ouvia os mais
idosos dizerem que “a propaganda é a alma do negócio”. Outros diziam: ”até a
galinha cacareja, quando põe um ovo, para anunciar o feito”.
Aproximando-me dos 80 anos de idade,
agora me deparo com um vídeo que está viralizando nas redes sociais, no momento
em que o projeto de plataforma para lançamento de foguetes espaciais, em
Alcântara (MA), foi retomado, depois de desastrosa estreia. Quando
compartilharam comigo, logo pensei que pode ser mais um fake News, tão na moda ultimamente. Considerei, porém, que a
montagem comportava reflexões e repúdio, e poderia ser aproveitada para um
comentário crítico, na linha de conscientização a que me proponho.
Nessa perspectiva, cabe uma
primeira indagação: o que há por trás dessa montagem que mistura cena de um
famoso apresentador de programa televisivo, ignorando a geografia, e, noutra
cena, justamente um ator negro, exaltando as virtudes do projeto americano,
anunciando que os brasileiros “poderão receber seis milhões de dólares em
tecnologia”. A conferir. Ressalto, de logo, que não tenho nenhum preconceito contra
os negros, até porque me considero, com justiçado orgulho, um afrodescendente.
O que intriga é o fato de ter sido escolhido justamente um talentoso ator negro
– embora em vídeo de apresentação -, pronunciar um discurso na contramão do que
verberam os quilombolas de Alcântara, em chocantes documentários a que já
assisti. A quem interessa a montagem? Por que viralizar, agora, oportunisticamente,
depois da recente visita do novo Presidente da República aos Estados Unidos da
América, onde assinou o acordo de retomada do projeto, que parecia sepultado? A
mim, particularmente, como maranhense ufanista nem impressiona. Ao contrário, provoca náuseas e desilusões.
No meu texto da semana passada, aqui
neste espaço, ousei comparar a sojicultora em escala cada vez mais ascendente, que
vem ocupando o cerrado brasileiro com significativas áreas de expansão - em
particular, em nosso Município de Buriti -,
com a chamada “Base de Alcântara”. Esta, porque desconstruiu mais de uma
dezena de comunidades constituídas por quilombolas, e aquela, por promover um
verdadeiro desmonte da agricultura familiar. Agora assisto a um filmete estrelado
por três pessoas, entre elas, um conhecido apresentador de programa televisivo.
Ainda que se trate de mais
um fake news, a viralização do vídeo
nos permite comentar ao menos três observações interessantes. A primeira é a
escolha de um crítico negro, para induzir que os quilombolas estão “adorando” o
audacioso projeto, sob a promessa de seis bilhões de dólares! Para os
brasileiros. É muito dinheiro! Não sem razão, uma sobrinha talentosa,
inteligente, estudiosa e perspicaz indagou, indignada e convicta, a respeito
dessa brincadeira de mau gosto:
“Tem
preço a cultura de um lugar? Tem preço a organização social de um povo? Quanto
vale isso? Tem preço uma terra coletiva que era explorada coletivamente? Quanto
vale isso? Tem preço?”
A segunda observação é a fala do
apresentador global – não se sabe em que circunstâncias -, com a sua conhecida
voz, indagar aonde estava chegando, e o “Zé”, da interlocução talvez montada,
responder que era Alcântara, “o fim do mundo”, no Maranhão. Fim do mundo, a
partir de que ponto? De São Luís não podia ter sido, porque de lá se vê o
clarão da iluminação elétrica da histórica cidade. Sem ironia, talvez o ponto
de partida tenha sido nos Estados Unidos da América, de onde os brasileiros
aguardam os bilhões de dólares prometidos. Aí, sim, pode ser distante.
A terceira foi o envolvimento, a meu
sentir desnecessário, de poetas e literatos maranhenses no enredo montado. De
logo se pergunta: o que os nossos imortais Graça Aranha, Gonçalves Dias,
Aloísio Azevedo e Ferreira Gullar têm a ver com projeto de
lançamento de foguetes ao espaço? De Gonçalves Dias, todos sabemos que ele
nutria uma forte saudade do canto do sabiá, rogando a Deus que não morresse sem
que voltasse para a terra-berço. De Ferreira Gullar, se tivesse vivo,
ouvir-se-iam versos do Poema Sujo,
tais como esses:
“[...] Mas sobretudo meu corpo
nordestino
mais
que isso
sanluisense
mais
que isso
ferreirense
newtoniense
alzirense”
...........................................................................................
“[...] café com pão
bolacha não
café com pão
vale quem tem
vale quem tem
vale quem tem
vale quem tem
nada vale
quem não tem
nada não vale
nada vale
quem nada
tem
neste vale....”
Nenhum desses imortais bateria palmas
para o atentado à cultura, e mais que isso, à ruptura abrupta de uma estrutura
assentada na Historia viva de uma gente morta, morta pelo descaso, pelo
desprezo, pela indiferença. Nenhum desses vates aplaudiria o assalto de um
passado rico, em nome de um futuro incerto e duvidoso, fundado num projeto destruidor,
comprovado com mais de uma dezena de mortos.
É preciso entender que aquele pedaço de
chão não pode ser considerado apenas um “lugar estratégico” no planeta Terra, para
projetos espaciais “menos dispendiosos”, e, por isso, cobiçado por forças
alienígenas, a troco de metais não vistos. É preciso atender aos dois lados, no
equilíbrio da balança dos valores confrontados. Não pode o grito dos fortes
calar o clamor dos fracos, porque isso não é justo.
É nesse toar que me coloco afoito,
recusando-me a ceder ao silêncio, como se fosse um muro. É com esse olhar
atento que concluo esse comentário, ornamentando-o com a parte final de um
poema que fiz, há pouco tempo, sob o título de “O silêncio do muro”, assim:
“(...) Disciplinado, não fala,
Mas
diz; diz e separa.
Diz,
sem falar.
A
depender do olhar,
na sombra solar, na luz do luar.
Um
espelho em cada lado,
em cada espelho, um olhado”.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais.
NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás.
Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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