O
SAPATO E A DOR DOS CALOS
Por Benedito Ferreira Marques
Com o vertiginoso avanço da tecnologia,
sobretudo na área da comunicação de massa, é difícil imaginar que a grande
maioria do povo brasileiro não esteja acompanhando, estupefato, o duelo verbal
entre um Ministro do Supremo Tribunal Federal e os Procuradores da República,
notadamente os que compõem o chamado “Grupo-Tarefa da Lava Jato”.
Esse
conflito ganhou dimensão beligerante, é dizer, “guerra de gente grande”, no
julgamento de um processo naquela Corte Maior de Justiça do País, em sessões
seguidas nas tardes dos dias 13 e 14 de março de 2019. Os ínclitos magistrados
apreciavam um processo em que iriam decidir se os chamados crimes de “Caixa 2”
e os demais delitos que lhes fossem conexos deveriam ser julgados na Justiça
Eleitoral ou na Justiça Federal. O debate circunscrevia-se à melhor
interpretação dos artigos 109 e 121 da Constituição Federal, pois este é o
papel do STF: interpretar normas constitucionais. Em torno desses dois artigos
se formaram duas correntes, que terminaram empatando com o placar de 5 a 5.
Coube ao Ministro Presidente o desempate, votando no sentido de que os
referidos casos devem ser julgados pela Justiça Eleitoral.
Para
além do impacto político desse julgamento, que foi imediatamente provocado, o
espetáculo ficou por conta da verborreia de um dos Ministros que, em tom
raivoso, chegou a tachar uma parte dos Procuradores Federais de “cretinos”.
Esse linguajar rasteiro foi utilizado ao vivo e em cores, pois a sessão estava
sendo transmitida pela TV-Justiça. Em discussões de bar, seja o assunto
político ou de futebol, a palavra empregada, sem titubeios, pelo destemido
magistrado, poderia gerar agressões verbais impublicáveis e, quiçá, terminaria
em vias de fato e até mesmo com uso de armas letais.
Mas,
como já dito, o embate tem como protagonistas pessoas que, para chegarem até
ali, tiveram que demonstrar notório saber jurídico e conduta ilibada, sejam os
senhores Ministros, sejam os nobres Procuradores. Bem por essas razões, a
sociedade que lhes paga os gordos salários não pode ter outra reação, que não
seja a da perplexidade.
Para quem caminha nas veredas forenses, com o olhar nas
regras processuais, esses fatos propiciam indagações as mais variadas que não
querem calar: 1. O Presidente do STF, baseado em preceito regimental, podia
instaurar inquérito para investigar ataques morais disparados em redes sociais
ou até mesmo na imprensa escrita, falada e televisada, contra os Senhores Ministros?
2. Se tais autoridades se consideram vítimas, quem oferecerá a denúncia? Quem
julgará o processo? As próprias vítimas? 3. A
Ilustre Procuradora Geral da República terá coragem de denunciar o Ministro que
malferiu a sua categoria, xingando de “cretinos” alguns Procuradores da
República? 4. Na eventual hipótese de
que tal iniciativa venha a ser tomada, como se comportarão os onze Ministros da
mais alta instância judiciária do País?
À
luz dos ditames legais, essas indagações podem ser respondidas. Mas, no clarão do
cenário político que, de algum tempo até aqui, se vem observando, tudo indica
que o imbróglio terminará em togada pizza, vale dizer, com temperos de cor negra,
tal como as vestes talares. E será servida na Praça dos Três voraz dos
circunstantes.
Não
se pode tangenciar o comentário geral que se espalha na plebe rude, segundo o
qual o comportamento dos atores de episódios desse jaez presta-se a reflexões
que se projetam para o campo especulativo, inclusive sobre regras albergadas na
Constituição Federal. Quais as causas de tanta ira, esboçada em atasques e
acusações reciprocamente disparados sem escrúpulos? Disse o corajoso Ministro xingador
que “se trata de disputa pelo poder”. Pode ser, pois a mídia já está
noticiando que a Procuradora Geral da
República questiona a competência legal do Ministro-Presidente do STF para
instaurar inquéritos contra Procuradores da República, sem declinar-lhes os
nomes. Em outras palavras, cada lado geme as dores que lhe incomodam. Isso me
faz lembrar um episódio de matiz semelhante, ocorrido há menos de uma década,
em Goiás, no qual se envolveram um magistrado e um advogado, não em salas de
audiências ou nos púlpitos do Tribunal, mas, sim, na imprensa escrita, onde
tiveram generoso espaço para as suas escaramuças. Semanalmente, um prestigioso
jornal abria suas páginas para os contendores derramarem suas lamúrias, numa
porfia que parecia não ter fim. Curioso para assistir ao final do espetáculo,
cheguei a alinhavar um texto – de resto não publicado -, com um
título que trazia aparente pitada filosófica: “O SAPATO NÃO É CULPADO PELA DOR
DO CALO, MAS QUEM O CALÇA”. Este despretensioso registro vem ao
encontro das semelhanças dos fatos comparados, até porque esses arroubos não
servem à nação. Ao contrário, produzem desilusões e desesperanças. Não faz bem
a ninguém qualquer embate entre instituições que compõem a estrutura organizacional
do Estado. O Poder Judiciário e o Ministério Público, em todas as suas esferas,
merecem respeito, e não podem ser achincalhados em disputas internas.
Não padece nenhuma dúvida de que estamos assistindo a um
lamentável espetáculo que beira aqueles apresentados em palcos circenses,
felizmente ainda existentes em paragens longínquas do interior brasileiro. E é nesse contexto desalentador por que
passa a nossa combalida República que me coloco combativo, ao menos na palavra
possível, sem medo de resistir ao de. Ouso sustentar que esses embates entre
altas autoridades dos Três Poderes da República revelam fragilidades
reprováveis, que horrorizam a opinião pública, à qual não escapa a conclusão inarredável
de que os ataques reciprocamente trocados à luz do sol, entre os protagonistas
de elevada estirpe resvalam para o campo de vaidades incontidas, como se os
sapatos que calçam fossem culpados pelas dores dos calos.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial,
atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária,
função social, contratos agrários e princípios constitucionais.
NA
Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de
Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de
magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi
professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de
1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás.
Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de
mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em
anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A
Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário
para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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