SE A LUTA É SUBLIME, O SILÊNCIO É
CRIME.
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Área afetada pelo rompimento de barragem da Vale, Brumadinho(MG).
*Por Benedito Ferreira Marques
Desde quando ouvi um áudio pelo meu
celular, ontem, onde uma pessoa que se identifica por especialista em matéria
de exploração mineral, fiquei assustado com a informação – não sei se
verdadeira -, de que os rompimentos de barragens espalhadas pelo Brasil a fora,
como a que ocorreu em Minas Gerais, poderia alcançar o “Velho Chico”, a minha
reação foi um “puta que pariu” que ninguém ouviu, porque estava em meu quarto
escuro. Toda a inspiração de minha tese de Doutorado, sobre Outorga de Águas,
defendida em 2004 (15 anos atrás, portanto), voltou a fervilhar os meus miolos,
porque não me contentou o simples “fazer
o quê?” Algo dentro de mim e na minha cabeça gritava aos meus ouvidos. “Cara, faz alguma coisa, pô. És brasileiro,
sabes falar e escrever. Tens netos, sobrinhos de montão em idade infante.
Lembra-te deles”.
A sensação de impotência foi vencida pela
conscientização sedimentada ao longo de 33 anos de magistério, se não bastasse
a vida de criança e de adolescente, tomando banho em riachos de aguas limpas,
moradias de piabas, carás, mandis, traíras, piaus, sarapós, iús e até curimatãs
vindas de lagoas a jusante nos córregos intrépidos chamados Tubi e Morro, que
banhavam minha Buriti.
Naquele tempo, final dos anos 40 e começo
dos anos 50 do século passado, os riachos se alegravam com as chuvas, cujas
correntezas produziam barulhos de enxurradas, que se confundiam com os cantares
afinados, feito orquestra natural, dos sabias, bem-te-vis e tantos outros. Eram
águas abundantes que produziam cacimbas, tipo piscinas naturais, que, para nós,
crianças, eram fundos e tinham o piso de areia branca, com a qual misturávamos
mangas e cajás caídos, lambuzando os corpos.
Ninguém sabia, então, o que era poluição,
nem exploração extensiva de monocultura de soja. O capim e a canaranas, que se
juntavam aos juçarais, buritizais, goiabeiras, marmeleiros, mangueiras,
cajazeiras e mamoranas frondosas já nos bastavam aos olhos.
No quintal vizinho, cantava o Expedito: “Choveu, choveu; nasceu capim, pro boi comer,
e ele cagar, nascer de novo...tan-tan”. Era o “sabiá-homem” celebrando a
fartura!
Agora, os riachos estão poluídos e quase
secando, à míngua de chuvas, mas os males dos novos tempos triunfam: o lixo, a
ganância capitalista da “mais-valia” e a exploração com agrotóxicos em larga
escala, escalada nos chapadões d’outrora, dizimando os pequis, cajuís, bacuris
e muricis, são esses os nossos algozes. A paisagem é de campos sem sombra e de
nascentes mortas, com aterramentos criminosos, debaixo de máquinas pesadas,
afugentando os habitantes naturais do cerrado. Nem borboletas escapam à sanha impiedosa
do homem-ambição, cujos limites do lucro lhe cegam os olhos e enrijecem os
corações já petrificados. O que lhes importa é a alimentação chinesa na
contrapartida da fortuna fortuita do brasileiro sem consciência ambiental ,a
conferir o volume dos bornais sem fundo.
Fazer o quê? Volta a pergunta que não quer
calar. Resistir – diria o interlocutor. Resistir como? Não temos força para
enfrentar o rolo compressor do opressor.
As
armas que restam aos conscientes se resumem ao uso da palavra – escrita ou
oral, ainda que o ouvinte seja surdo, ainda que o leitor seja cego. Um só que ouça, um só que veja, o processo de
conscientização começa do primeiro que entender o recado. É assim que se faz a resistência, porque
se a luta é sublime, o silêncio é crime .
Goiânia, 27.01.2019, às 15h58.
Sobre o autor da crônica:
BENEDITO FERREIRA MARQUES é buritiense da prestigiada
Família Marques, nascido no Barro Branco, povoado de Buriti/MA, começou seus
estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o
levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal
do Maranhão (1964), mestrado em Direito Agrário pela Universidade Federal de
Goiás (1988) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
(2004). Atualmente é Professor Associado I da Universidade Federal de Goiás.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando
principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função
social, contratos agrários e princípios constitucionais. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras
bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais,
trabalhos publicados em anais de congressos, além de ser escritor de vários
livros, entre eles “A Guerra da Balaiada,
à luz do direito”.
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