De 2015 a 2016, eles foram metade dos
profissionais de comunicação mortos no país. A estatística do horror faz
parte do relatório "O ciclo do silêncio: impunidade em homicídios de
comunicadores", lançado nessa quinta-feira 8 pela ONG Artigo 19.
Ítalo Diniz, 30, era blogueiro em Governador Nunes
Freire, cidade de 25 mil habitantes no oeste do Maranhão. Sem filiação
partidária, ele escrevia artigos denunciando políticos da região e recebia
ameaças públicas, como a de um ex-prefeito que prometeu sua morte e a de um
guarda municipal que o hostilizou durante sessão da Câmara de Vereadores,
fatos que relatou à polícia.
No dia 13 de novembro de 2015, Ítalo foi atingido
por quatro disparos feitos por dois homens em uma motocicleta, que fugiram.
Morreu antes de receber atendimento médico.
Na véspera do crime, ele havia relatado a colegas
de imprensa ameaças feitas por “prefeitos, vereadores, capachos e
seguranças”, sem citar nomes. Uma semana antes a mãe dele também fora
ameaçada.
Passados quase três anos, o inquérito sobre a morte
de Ítalo não foi concluído e mandantes e executores não foram identificados. A
investigação é acompanhada pelo Judiciário, uma vez que um dos suspeitos tem
foro privilegiado.
O caso faz parte do relatório “O CICLO DO SILÊNCIO: IMPUNIDADE EM HOMICÍDIOS DE COMUNICADORES”,
lançado ontem, quinta-feira 8, pela ONG Artigo 19. De acordo com o documento,
metade dos profissionais de comunicação assassinados no país nos anos de 2015 a
2016 atuava como blogueiro.
O estudo apresenta o monitoramento dos 22
assassinatos de comunicadores no país no período de 2012 a 2016. Doze deles
constavam na análise anterior, apresentada há dois anos, sobre mortes no
período de 2012 a 2014 --foram 3 blogueiros, 3 radialistas, 4 jornalistas,
1 proprietário e 1 fotógrafo.
Dos dez novos casos, 5 eram blogueiros, 3
radialistas, 1 jornalista e um proprietário de veículo de comunicação, crimes
praticados em cidades que tinham em média 50 mil habitantes. Ou seja, cresceu a
proporção de blogueiros entre as vítimas.
“Faz sentido que os blogueiros sejam os mais
atacados, porque em boa parte das cidades menores do Brasil não existem jornais
impressos estruturados. Nesses locais, quem acaba fazendo a comunicação são os
blogueiros e radialistas comunitários, só que esses perfis de profissionais acabam
ficando mais vulneráveis à lógica da violência”, afirma o coordenador do relatório e assessor do programa de Proteção e
Segurança da Artigo 19, Thiago Firbida.
Segundo ele, uma característica comum entre os
crimes é o planejamento e a participação de intermediários na execução. Cerca
de metade dos casos envolve ainda agentes do Estado, como políticos, policiais
e funcionários públicos, o que dificulta a investigação. Além disso, muitas
delegacias não têm estrutura para fazer as perícias necessárias.
“Essa falta de estrutura é um grande problema não
só nos crimes contra comunicadores, mas em todo o processo de investigação de
homicídios no Brasil. O que é diferente nesses casos é que, como os mandantes
são pessoas poderosas, além da falta de estrutura das polícias, [a impunidade]
também é influência dessas pessoas”, diz.
Firbida aponta que mais da metade das investigações
(59%) teve andamento insatisfatório, ou seja, após anos o inquérito não foi
aberto, foi arquivado ou não chegou a ser concluído. Em 41%, o andamento foi
satisfatório, com a abertura da ação penal e sentença. Em apenas um caso,
porém, houve condenação do mandante, caso da morte do blogueiro Décio Sá, em São Luís
(MA), em 2012.
Os casos também revelam a falta de ação diante das
ameaças sofridas pelos comunicadores, relatadas por 77% deles. “Se
as autoridades não respondem a ameaças consideradas mais leves, o que a gente
percebe é um agravamento até um grau extremo, que é o homicídio”,
afirma.
A organização também monitora ameaças a
profissionais e aponta que elas podem gerar autocensura, mudança da área de
cobertura e até abandono da profissão.
Para evitar o cenário de impunidade, o relatório
aponta um conjunto de medidas, como a proteção efetiva dos comunicadores pelo
governo federal, o acompanhamento dos casos pelo Ministério Público e o
investimento prioritário pelos governos estaduais nas polícias para investigar
os crimes.
“São casos que não têm só uma dimensão individual,
mas social, porque quando um comunicador é assassinado você está atingindo o
direito da sociedade de se informar. Essa é uma dimensão coletiva que os
governos atuais precisam ter em mente”, diz
Firbida.
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