*Por Paulo Moreira Leite, diretor do 247
Pode-se medir o
grau de gravidade da crise política de um país quando o combate para paralisar
um governo e abrir caminhos de qualquer maneira para sua queda atravessa opções
artificiais, sem base legal.
A política adquire
o perfil de um teatro do absurdo, mas é inteiramente real. Os humanos dizem frases
irracionais, os animais pronunciam frases sofisticadas – mas tudo segue com se
estivéssemos dentro da mais absoluta normalidade.
É isso o que
acontece no Brasil, neste momento. O governo foi forçado a suspender R$ 10,7
bilhões em despesas não obrigatórias, ameaçando paralisar setores essenciais da
administração, por uma questão de sobrevivência imediata.
Numa situação de
normalidade, seria uma decisão inteiramente desnecessária, até porque situações
dessa natureza fazem parte da rotina de todos os governos brasileiros desde a
criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda no governo Fernando Henrique
Cardoso.
Mas vivemos uma
situação inteiramente anormal quando uma oposição tenta afastar uma presidente
da República sem base legal, sem que possa ser acusada de crime de
responsabilidade. Deste primeiro absurdo derivam todos os outros.
Estabelecido que é preciso um crime, procura-se uma prova.
Em posição de
fraqueza, porque sua base social rejeita uma situação de penúria e crise que
não entende e não aceita, o Planalto não pode dar pretexto ao Tribunal de
Contas da União para tentar apontar supostas pedaladas fiscais em 2015 e
com isso ressuscitar o projeto de impeachment. Em português claro, o nome da
situação é chantagem.
Apesar de absurda,
pode-se dizer que, comparada com a situação anterior, o momento atual
representa progresso. Pelo menos agora se admite aquilo que pessoas
alfabetizadas do ponto de vista democrático sempre souberam: que é preciso
respeitar o parágrafo 4 do artigo 86 da Constituição, onde se define que uma
presidente da República só pode ser enquadrada por crime de responsabilidade
ocorrido no exercício do mandato.
Diante disso, as
supostas pedaladas de 2014 – ou pseudopedaladas, como avaliam técnicos que
dominam o complicadíssimo universo dos orçamentos federais – que animaram
a oposição durante alguns meses têm pouca serventia política real. É preciso
que tenham ocorrido em 2015, depois da posse de Dilma para o segundo
mandato.
Daí, a necessidade
de evitar ameaças – mesmo falsas, fabricadas, manipuladas – no ano em vigor,
pois aí se encontra um risco.
Mas que risco é
esse, vamos perguntar?
O TCU é um tribunal
apenas no nome, por uma dessas cortesias perigosas de nosso vocabulário
político e que, com o tempo, tentam invadir áreas fora de sua competência e
cobrar direitos maiores do que possuem. Como sabemos, o TCU não
"julga" nem "condena" ninguém, pois não tem poderes para
isso. Seus ministros não são "juízes." São políticos que tiveram direito
a uma segunda carreira e agora prestam um serviço auxiliar junto ao Congresso –
o termo legal, incrivelmente modesto em relação ao barulho que tem provocado,
aos custos que representa – é este.
O "Ministério Publico do TCU",
responsável pela acusação contra o governo, não é reconhecido pela
Constituição. A Carta de 1988 fala em Ministério Público Federal, nos Estados,
em Ministério Público Militar e Ambiental. Não fala em MP do TCU – o que dá ao
organismo um caráter de fantasia legal.
Já o ministro
Augusto Nardes, relator da denúncia contra as contas do governo Dilma, é
absurdamente real. Tão real que se tornou investigado como suspeito de
corrupção pela Operação Zelotes. A Polícia Federal encontrou um bilhete no qual
um dos envolvidos escreveu a palavra "ministro" e, ao lado, a soma de
R$ 2,6 milhões. Em funções de outras circunstâncias, inclusive a atuação de um
sobrinho no esquema, a suspeita da PF é que Nardes seja essa pessoa.
A denúncia contra
Nardes, que precisa de novas investigações para ser esclarecida, encontra-se
parada no Supremo Tribunal Federal.
A falta de
esclarecimentos de um caso tão absurdo só interessa a quem procura provas
para um crime que ninguém demonstrou que tenha sido cometido. Mantida na
gaveta, a denúncia contra o ministro impede que as acusações contra Dilma no
plano fiscal, o prato de resistência do golpismo, sejam desqualificadas por um
defeito de fábrica.
Deu para entender,
certo?
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