*Do site 247
A revista
Veja demitiu nessa sexta-feira (6) a apresentadora do seu canal de vídeos (a
TVeja), Joice Hasselmann. Esta é a terceira demissão de comentaristas e
blogueiros direitistas só neste semestre. Antes dela, os blogueiros Rodrigo
Constantino e Ricardo Setti já haviam sido desligados. Mais recentemente,
Caio Blinder, colunista do site em Nova York, foi também despachado.
Joice
foi denunciada por 65 plágios de veículos como Gazeta do Povo, Bem Paraná e G1
pelo Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR),
que comprovou a cópia dos conteúdos. Ela tinha amplo espaço no canal de vídeos,
mas vinha perdendo espaço desde a denúncia (aqui).
Rodrigo
Constantino é um entre vários discípulos do ultraconservador Olavo de
Carvalho que foram colocados no site da revista nos últimos tempos. Sua
demissão não sinaliza uma mudança na linha editorial de direita da Veja.
Confirma, apenas, que as coisas estão realmente ruins para a Abril. Pouco tempo
atrás, a Veja não conseguiu segurar um de seus mais conhecidos jornalistas,
Lauro Jardim, da seção Radar. Lauro foi para O Globo.
Pouco
depois de sair da revista, Constantino atacou a publicação Ele não gostou de
ler em Veja um editorial contra mudanças no Estatuto do Desarmamento. Então,
ele disse que a revista aderiu “a teses da esquerda” e terá “morte
horrível”.
É
óbvio que a Veja não chegou nem perto de qualquer tese da esquerda. Mas em uma
coisa o Constantino pode ter razão: a publicação caminha para uma "morte
horrível".
2015
tem sido um ano particularmente difícil para a publicação. Suas versões
regionais de Belo Horizonte e de Brasília foram canceladas. No primeiro
semestre, foram 49 demissões (lembre aqui).
O
encolhimento de Veja é a última etapa do enfraquecimento da Editora Abril, que
já teve metade do seu imponente prédio devolvido, várias revistas
descontinuadas e seu braço educacional, a Abril Educação, vendido (aqui).
Abaixo
análise do jornalista Paulo Nogueira, do DCM, sobre o declínio da Veja no campo
jornalístico:
A
Veja não chegou a este grau de miséria jornalística expressa no caso Romário de
repente.
Foi
uma longa jornada.
O
marco zero foi a substituição, no final dos anos 1990, de Mario Sergio Conti
por Tales Alvarenga na direção da redação.
Ali,
Roberto Civita deixou claro que era ele que iria editar a revista.
Foi
uma ocupação de espaço progressiva. O primeiro diretor da Veja, Mino Carta,
tinha carta branca.
Em
seu contrato, estava acertado que os Civitas só comentariam a revista depois
que ela chegasse às bancas.
Era
um acerto que refletia o espírito do patriarca da Abril, Victor Civita, à época
no comando, mas não o de seu filho e herdeiro, Roberto.
VC
não competia com seus editores: era apenas um empreendedor. Jamais se teve na
conta de editor, ou jornalista, e muito menos um intelectual.
Com
VC já se despedindo das funções executivas da Abril, Roberto pressionou pela
saída de Mino.
Queria
mais espaço. E teve.
O
segundo diretor da Veja, José Roberto Guzzo, representou a entrada de Roberto
nas decisões editoriais da Veja.
Era
impensável um contrato nos moldes do de Mino.
Eu
era um jovem repórter quando entrei na Veja, em 1980, no início da Era Guzzo.
Já
houvera uma transferência efetiva de poder, mas as aparências eram mantidas.
RC
raramente aparecia na redação. Nas noites de quinta, véspera do fechamento,
Guzzo descia da redação no sétimo andar do prédio da Marginal do Tietê e ia
para o sexto, onde ficava a sala de RC.
Ali,
despachavam. Quase sempre Guzzo estava acompanhado de seu adjunto, Elio
Gaspari, jornalista marcante na Veja de então.
Uma
alteração de forte caráter simbólico veio na Carta do Editor. Mino, desde o
início, a assinava com as iniciais MC.
Com
sua saída, Guzzo passou a assiná-la com JRG. Em suas férias de janeiro, você
encontrava as iniciais EG na carta. Era Elio Gaspari.
Não
demorou muito e as iniciais desapareceram. A carta deixou de ser assinada,
embora Guzzo a escrevesse.
Era
uma mensagem. Nela, estava a opinião da Abril, e não dos diretores de redação
da Veja.
Mesmo
sem os poderes de Mino, Guzzo ainda tinha mais autonomia do que RC desejava.
Guzzo,
nos anos 1980, levou a Veja rumo a quase 1 milhão de exemplares. Mas mesmo
assim quando ele disse a Roberto que gostaria de sair da direção este não opôs
resistência nenhuma.
“Ele
logo gostou”, me disse, anos depois, um diretor da Abril que participou da
sucessão de Guzzo. “Depois de alguns minutos, o Roberto perguntou ao Guzzo
quando ele gostaria de sair.”
Mario
Sergio Conti, o sucessor de Guzzo, deveria ser um passo a mais na tomada de
poder por RC.
Mas,
no meio do caminho, aconteceu o caso Collor.
Conti
se deixou inebriar. Achou que ele tinha derrubado Collor. Passou a se comportar
como uma celebridade jornalística, e isso não estava no programa de RC.
O
prédio todo comentou um dia em que RC, durante o caso Collor, foi com amigos à
sala de Conti para mostrar “seus meninos” em ação.
Conti
falava ao telefone com Claudio Humberto, fonte na história, e fez um sinal
rápido para que RC e comitiva esperassem do lado de fora da sala enquanto ele
estivesse ao telefone.
Roberto
não se livrara de Mino e deixara sair Guzzo para enfrentar esse tipo de
embaraço na frente de amigos.
De
resto, a Abril, embora grande, era pequena demais para dois derrubadores de
presidente.
Conti
estava tão liquidado quanto Collor.
O
sucessor de Conti, Tales Alvarenga, um apagado editor de carreira que subiu na
hierarquia por inércia, significou um novo e enorme passo para que Roberto
reinasse sem contraponto na Veja.
Tive
um papel nesta sucessão. Na época, eu era diretor de redação da Exame. Durante
um ano, em segredo, um pequeno grupo liderado por RC discutiu quem substituiria
Conti.
Começaram
com vinte nomes, e chegaram a dois, finalmente. Marcos Sá Corrêa e eu. Num
encontro num hotel em Portugal (a Abril tinha montado uma editora lá) o grupo chegou
a um nome. O meu.
Quando
Conti soube que era eu, vazou para os editores da Veja. Foi um tumulto na
redação.
Eu
liderara um processo de renovação na Exame, e a velha guarda da Veja temia que
eu pudesse mexer nela.
Tales
Alvarenga, então adjunto de Conti, decidiu se demitir. Ele marcou uma conversa
com RC na qual entrou demissionário e saiu diretor.
Roberto
percebeu, ali, que Tales, um burocrata pouco brilhante, faria tudo que ele
gostaria sem opor nenhum tipo de sombra.
Eu
era uma incógnita para RC, neste sentido. Poderia ser controlado? Não era esta
exatamente minha fama na Abril, a de um cordeiro.
Tales
fez, como diretor, o que RC esperava. O papel do diretor de redação da Veja
ficou ainda menor.
De
Mino a Guzzo, de Guzzo a Conti, de Conti a Tales, o diretor foi
progressivamente minguando.
O
apogeu deste processo se deu quando Tales, já perto dos 60 anos e desgastado
fisicamente por muitos anos de entrega desvairada à Veja, foi substituído.
O
novo diretor, Eurípedes Alcântara, foi a etapa definitiva para a dominação de
Roberto.
Ainda
hoje no cargo, Eurípedes se prestou basicamente a transformar em capas,
títulos, textos e legendas as determinações do patrão.
Roberto
já passava a se apresentar publicamente como “editor” da Veja.
Seu
sonho se realizara na plenitude, enfim, depois de um longo percurso.
Esta
era a boa notícia.
A
má é que Roberto jamais foi um jornalista, um editor. Era filho do dono, e
ponto. Não sabia escrever, não sabia editar um texto, não sabia fazer uma legenda,
não sabia fazer uma chamada de capa. Era um sujeito pessoalmente encantador,
mas confuso e detalhista, e isso se refletiu em seu desempenho como empresário
e como editor.
Sem
contraponto de editores profissionais, a falta de noção de Roberto se esparramou
pelas páginas da Veja.
Quando
as limitações editoriais de RC se somaram a seu ódio por Lula, a Veja virou o
que é hoje.
Numa
aberração histórica, a revista publicou um dossiê que atribuía conta no
exterior a Lula, como agora no caso de Romário.
No
meio do texto, estava escrito que a revista não conseguira “nem confirmar e nem
desmentir”. Mesmo assim, publicou.
Outro
dia, ao ler o rumor de que a Abril estava prestes a pedir recuperação judicial,
brinquei com a turma do DCM. “Só faltava a gente publicar isso dizendo que não
conseguíramos confirmar ou desmentir.”
Mas
é claro que esse tipo de coisa não faz parte de nossos valores editoriais. Era
apenas uma piada.
Mas
para a Veja tal procedimento tem sido uma realidade, com preço tenebroso para
as vítimas dos assassinatos de reputação empreendidos pela revista.
Tinha
que dar no caso Romário.
A
destruição da cultura editorial da Veja não poderia se limitar ao PT e a Lula.
Ela acabou se espalhando, como um câncer, por toda a revista.
Quando
um redator-chefe manda que escrevam uma crítica laudatória de várias páginas
sobre seu romance, é porque só sobraram ruínas editoriais. (O autor desse
atentado contra a decência, Mario Sabino, levou sua cultura jornalística para o
site Antagonista, que edita ao lado de Mainardi, outro símbolo da Veja
desgovernada.)
A
diferença, agora, é que o falso extrato de Romário foi parar na polícia e na
Justiça da Suíça.
No
Brasil, não aconteceria nada. Apesar das provas coletadas por Romário, a Veja
continuou a agredi-lo.
Uma
matéria na edição impressa que está nas bancas afirmou, no título: “A conta não
fecha, Peixe.”
Blogueiros
como Augusto Nunes e Felipe Moura Brasil também investiram contra Romário pouco
antes do pedido de desculpa.
É
possível agora, com o caso chegando à Suíça, que os donos da Abril comecem
enfim a se preocupar com o passivo jurídico de uma revista sem o menor
compromisso com a apuração dos fatos.
Não
existe, a rigor, surpresa na história. Você poderia perguntar: por que a Veja
não perguntou para o banco se Romário tinha mesmo uma conta? Foi o que ele
mesmo, Romário, fez.
Mas
não.
Este
tipo de cuidado básico no jornalismo foi exterminado por Roberto Civita – com a
contribuição milionária de Eurípides Alcântara.
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