Tribunal
recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo e a oposição tentará
alimentar o impeachment. Entenda o que vem a seguir
*Da Carta Capital
O Tribunal de Contas
da União (TCU) recomendou por unanimidade nesta quarta-feira 7
a rejeição das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff. A ação, aprovada por
unanimidade pelos ministros, que seguiram o voto do relator Augusto Nardes, segue agora para o Congresso,
que é quem pode efetivamente aprovar ou não as contas. Pesou na análise as
chamadas "pedaladas fiscais".
Nardes destacou que houve “afronta de
princípios objetivos de comportamentos preconizados pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, caracterizando um cenário de desgovernança fiscal”.
Ele também afirmou que o governo criou “uma irreal condição”, que permitiu um
gasto adicional de forma indevida.
Na última semana, a Advocacia-Geral da
União pediu o afastamento de Nardes da
relatoria, após o ministro adiantar-se ao julgamento e afirmar à imprensa que
rejeitaria as contas. Além da violação a Lei Orgânica de Magistratura, o
ministro surge também como suspeito nas investigações da Operação Zelotes. Ele teria recebido aproximadamente 1,8 milhões de reais da
SGR Consultoria por um suposto envolvimento com o esquema fraudulento de
anulação de dívidas fiscais.
Entenda melhor os principais temas
ligados ao julgamento:
O que são as pedaladas fiscais?
"Pedalada fiscal" é o nome dado à prática
do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para
bancos (públicos e privados) financiadores de despesas do governo
com benefícios sociais e previdenciários como o Bolsa Família, abono salariais e o
seguro-desemprego.
Esses atrasos ajudam a fechar as contas de um
determinado mês ou até de um ano fiscal, uma vez que joga a conta para o
período seguinte. As "pedaladas" também podem acontecer
com autarquias, como o INSS. Segundo o TCU, cerca de 40 bilhões de
reais estiveram envolvidos nessas manobras entre 2012 e 2014.
Para quê servem as tais pedaladas?
As "pedaladas" ajudam a maquiar as contas
do governo, podendo ser usadas para aumentar o superávit primário (economia
feita para pagar os juros da dívida pública) ou impedir um déficit
primário maior (quando as despesas são maiores que as receitas).
Ao atrasar os repasses aos bancos, o governo
apresentava indicadores econômicos melhores do que realmente eram e, assim,
confundia o mercado financeiro e especialistas em contas públicas.
Por que o governo fez isso?
O ano de 2014 foi especialmente ruim para as contas
do governo. Por ser ano eleitoral, a União aumentou seus gastos ao mesmo tempo
em que teve de socorrer o setor energético e viu sua arrecadação despencar
devido à desaceleração econômica e às novas desonerações de impostos para
alguns setores econômicos.
Uso então as "pedaladas" para tentar
cumprir a meta fiscal apresentada no início do ano. Mesmo com as manobras
fiscais, a conta do governo não fechou e o Planalto foi obrigado a enviar um
projeto de lei ao Congresso Nacional para alterar os objetivos antes propostos.
Dilma foi a primeira presidente a fazer
as pedaladas?
Não. Segundo a Advocacia Geral da União (AGU), esta
prática ocorre desde 2000. Ou seja, desde o segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), passando pelos dois mandatos do ex-presidente Lula
(PT) e o primeiro de Dilma.
Qual o caminho das contas a partir de
agora?
O TCU recomendou por unanimidade a rejeição das
contas 2014. Quem pode rejeitá-las de fato é o Congresso Nacional, a única
instituição com esse poder. No entanto, o julgamento político dos parlamentares
deve ser influenciado pelo parecer do tribunal.
O parecer do TCU é encaminhado para a Comissão
Mista de Orçamento, formada por deputados e senadores, que decidirá se as
"pedaladas fiscais" ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Após a avaliação da comissão, o texto segue para o
plenário da Câmara e do Senado, onde acontece o julgamento político do governo.
Caso as contas do governo realmente sejam rejeitadas, a presidenta Dilma
Rousseff pode ser alvo de um processo de impeachment.
Alguma prestação de contas de outro
presidente já foi rejeitada?
Nunca. O presidente que mais próximo esteve de ter
as contas de seu governo rejeitadas foi Getúlio Vargas. Em 1937, durante a
ditadura Vargas, o ministro do TCU Carlos Thompson Flores apresentou parecer
pedindo a rejeição das contas do governo do ano anterior. No entanto, o
plenário da corte não seguiu a orientação do relator e aprovou as contas de
Vargas.
Há um risco real de impeachment?
Em tese sim, mas derrubar um presidente não é algo
tão simples, e o governo reforçou sua base parlamentar após a recente reforma
ministerial. Com a recomendação de rejeição do TCU, é o momento de o Planalto
testar sua “nova” maioria no Congresso.
O problema é que o primeiro teste de fidelidade da
base governista após a reforma ministerial, decepcionou o governo. Ao anunciar
que votaria os vetos presidenciais, conhecidos como "pauta-bomba", o
governo viu o Congresso esvaziado e sem o quórum mínimo necessário para
deliberar sobre a questão.
A votação acabou adiada pela terceira vez. A
disputa pode também ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o
entendimento do ex-ministro do STF, Ayres Britto, a análise das contas de
2014 pelo TCU pode tornar Dilma inelegível no futuro, mas não provocar seu
impeachment porque não houve crime de responsabilidade no atual mandato.
Por que a AGU pediu o afastamento do
relator, Augusto Nardes, e o que isso tem a ver com este caso?
A Advocacia-Geral da União argumenta que
Augusto Nardes cometeu uma irregularidade ao manifestar sua opinião e
antecipar publicamente seu voto sobre as "pedaladas fiscais". Na
visão do ministro Luís Inácio Adams, chefe da AGU, o regimento interno do
TCU e a Lei Orgânica da Magistratura proíbem os juízes de emitir opinião sobre
processos que estão conduzindo.
Segundo o ministro da Secretaria de Comunicação
Social (Secom), Edinho Silva (PT-SP), a ação da AGU contra Nardes é "um
grito de alerta" sobre a "partidarização das instituições".
Quem é Augusto Nardes?
Augusto Nardes é um dos seis ministros do Tribunal
de Contas da União (TCU) e foi ex-deputado federal pelo Partido Progressista
(PP) do Rio Grande do Sul. Em 2005, o então líder da bancada de deputados
federais do PP e um dos articuladores do esquema investigado pela Operação Lava
Jato, o falecido José Janene, indicou o nome de Nardes para o
TCU. Recentemente, o nome de Nardes foi mencionado durante as
investigações da Operação Zelotes, que apura um esquema de
corrupção destinado a anular a cobrança de bilhões em tributos federais.
O que é o TCU e para que ele serve?
A Constituição Federal de 1988 conferiu ao TCU o
papel de auxiliar o Congresso no exercício do controle externo. Em resumo, cabe
ao tribunal apreciar as contas, despesas e repasses financeiros da União e
todos os seus braços.
O que é a AGU e para que ela serve?
A Advocacia-Geral da União é o órgão mais elevado
de assessoramento jurídico do Poder Executivo e também está prevista pela
Constituição Federal. Cabe à AGU auxiliar o presidente da República em
todos os assuntos de jurídicos e garantir a legalidade dos atos do governo.