*Publicado por Luiz Flávio Gomes em
www.jusbrasil.com.br
Para além de
ser uma medida inconstitucional (violadora do art. 228 da CF e
tantos outros dispositivos que asseguram o tratamento diferenciado do
adolescente que está em fase de desenvolvimento da sua personalidade), a
redução da maioridade penal tende a ser inócua: de 1940 (data do Código Penal) até
março de 2015 o legislador brasileiro reformou nossas leis penais 156 vezes.
Nenhuma reforma legal jamais diminuiu qualquer tipo de crime no país, a médio
ou longo prazo. Se 156 leis penais novas não funcionaram, qual a base empírica
para se acreditar que uma nova lei, justamente a decorrente da PEC 171
(Proposta de Emenda Constitucional), seria diferente? “Insanidade
é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”
(Albert Einstein).
Não há
dúvida que as leis possuem o efeito mágico (simbólico) de aplacar a indignação
da população irada, que já não suporta mais tanta insegurança. Mas como as leis
não mudam a realidade, em pouco tempo a população volta com carga redobrada de
ira. A desgraça, que emana da consciência ingênua, típica mas não exclusiva das
massas insurgentes, é que ela e a mídia voltam a pedir a mesma coisa: vão
implorar por uma nova lei baixando a idade penal para 14 anos. Depois, vão
demandar nova reforma para atingir os adolescentes de 12 anos. Ad
absurdum, esse raciocínio chegaria à proposta do aborto generalizado para
não nascer mais ninguém. Alguns religiosos mais radicais talvez recuperem a
ideia de que o humano não deve mais fazer sexo.
Em 1990 o
Brasil vivia uma onda avassaladora de sequestros, extorsões e assassinatos. Em
1989 havíamos chegado a 23,7 assassinatos para cada 100 mil pessoas (fonte:
Datasus), contra 11,5 em 1980. O legislador prontamente editou a mais dura lei
penal do país redemocratizado, lei dos crimes hediondos,
afirmando que, com ela, o problema seria resolvido. Em 1990 já chegamos a 26,4
homicídios para 100 mil habitantes. No ano 2000, alcançamos 26,7; em 2005,
28,1; no ano 2010, 27, 4; em 2012, últimos números disponíveis, veio o patamar
de 29 para cada 100 mil habitantes. Com as leis de trânsito e Maria da Penha
aconteceu a mesma coisa: a mera mudança da lei não altera a realidade. Se estatisticamente
sabemos que a simples alteração da lei não diminui a criminalidade, por que
agora seria diferente?
A Unicef
calcula que cerca de 1% dos homicídios são cometidos (no Brasil) por menores de
16 e 17 anos (O Globo 2/4/15). Isso significa mais ou menos 600
mortes anuais. Nas outras mais de 59 mil mortes a polícia investigativa
(sucateada) consegue apurar apenas de 5% a 8% dos casos; 92% contam com
impunidade imediata. O nosso problema, portanto, reside na falta de certeza do
castigo. Essa seria a bandeira correta a ser levantada, fazendo-se um ajuste no ECA para, nos casos
de menores assassinos, aumentar o tempo de internação, de três para seis ou
oito anos (como acontece em vários países europeus). Para além desse ajuste
legal, a solução da criminalidade exige educação de qualidade em período
integral, para todos, prevenção e certeza do castigo previsto na lei. Nada
dessas coisas certas fazemos no Brasil. Teimamos em fazer o errado. Por isso
que é insanidade esperar resultados diferentes. Com 150 milhões de analfabetos
funcionais ainda vamos demorar muito para alcançar a consciência crítica. A redução
da maioridade penal como solução de um problema social é a exploração do humano
de consciência ingênua pelo humano demagogo.
*Luiz
Flávio Gomes - Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino
LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça
(1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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