O VATICÍNIO DE UM
URUMBERVA INESQUECÍVEL.
*Por Djalma Passos
Ele era um trabalhador rural legítimo,
daqueles que pegava o sol, com a mão às primeiras horas matinais e às últimas
horas vespertinas, em sua rocinha ou nas dos vizinhos, quando contratado para
prestar seus serviços, pois era conhecido no meio em que morava, como CABOCO
BOM DE SERVIÇO! Era do povoado Laranjeiras, território da minha querida Buriti,
onde eu vivi muitos dias da minha infância! Era, também meu compadre de Fogo,
ritual celebrado à beira das fogueiras de São João e São Pedro, com as palavras
sacramentais: "São João disse e São
Pedro confirmou, que nós seremos compadres, porque Jesus Cristo mandou, viva
São João, viva São Pedro e viva nós, meu compadre", dizia -se três
vezes, trocando de posição na frente da fogueira!
O nome dele era Francisco Miguel, mas era
conhecido por todos, como CHIQUETA. A cobra que tivesse a infelicidade de ser
vista por ele, morria imediatamente! As fazedeiras de azeite de babaçu, quando programavam
essa atividade, mandavam pedir a ele, que não passasse na frente de suas casas,
pois se assim acontecesse, o azeite virava borra! Ele atendia sorrindo a esse
apelo!
CHIQUETA, apesar dessa qualidade
inexplicável, era uma pessoa muito querida de todos os que o conheceram,
realmente trabalhador, dançador exímio, brincalhão, contador de causos, bebedor
de tiquira sem perder o "tom", como ele mesmo dizia e, era verdade,
porque nunca se registrou uma queda dele e nem uma confusão por ele causada em
decorrência de suas farras tiquirais e nem de outros fatos, era alegre e festivo,
sempre o foi!
Foi amigo de meu pai e da minha família,
trabalhou muito nas nossas roças e farinhadas e participava das matanças de
gado vacum, caprinos, ovinos e porcos, pois também era bom nessa arte!
Parti em busca de outros horizontes e ele
conduzia a minha viagem tocando um burro e me acompanhando à cavalo até Buriti
de onde algum tempo depois me desloquei confortavelmente em cima de uma carrada
de babaçu, no carro do senhor Yoyô Faria, dirigido pelo meu saudoso amigo
Lautenaide, para a capital São Luís, sempre voltando nas férias e reencontrando
aquele já velho URUMBERVA querido, ouvindo suas lorotas e, contando minhas
novidades, que ele as ouvia e ficava encantado!
Venci muitas guerras difíceis e um certo dia,
retornei ao torrão natal "amuntado
num bicho zoador", como ele chamava, uma Brasília, meu primeiro carro.
Foi uma festa. Meu amigo Chiqueta ficou maravilhado e, discretamente, tentou
saber o preço do veículo sem perguntar, apenas conjecturando: "cumpade Dijauma, um bichim desse vale
um bucado de jacá de terra, né mermu?” Rimos juntos e eu lhe disse o preço
do bichim!
Sempre, que eu voltava, o reencontrava e,
normalmente ele tinha de ir a uma festa e, todo humilde, me dizia: "cumpade, o caboco véi num tem nem um
tustão furado" e eu lhe dava um trocadinho para a cota da festa e da
tiquira, suficiente, pra receber dele aquele abraço puro, que me orgulhava!
Voltei um dia e, recebi a notícia de que
meu caro Chiqueta, não estava bem de saúde, já ostentando 87 anos de vida.
Desloquei-me até a casa dele, desta feita
em um carro mais potente e o encontrei prostrado numa rede, mas muito lúcido!
Presenteou-me, com o sorriso franco de sempre, lhe dei o meu abraço e as minhas
lágrimas, mas tentando lhe dar esperanças pedi ao seu filho, que preparasse a
sacola de viagem dele, pra que eu o levasse pra Chapadinha em busca de socorro
médico. Ele olhou-me fitamente e disse-me:
"meu cumpade, você é um homi, e é meu amigu, mar nun si preocupe mais com
seu caboco véi, meu camim terminô, me dêxi morrer no mêi dá minha genti"
e me pediu um abraço.
Choramos abraçados por alguns segundos e,
ainda, com a esperança de que aquela situação pudesse ser revertida, despedi
-me dele e da sua família! Ao chegar em São Luís, recebi a triste notícia, do
falecimento daquele, que fez parte de um capítulo importante da minha vida!
Cumpria-se o VATICÍNIO DE UM URUMBERVA, que
a despeito de analfabeto e sem dotes intelectuais, tinha noção da vida, do
respeito, da dignidade, do amor e do termo da jornada terrena! Era um
buritiense, que se orgulhava de dizer, que a única cidade que conhecia era
Buriti e que não tinha inveja dos que iam embora pra outras "paragens"!
*Djalma Passos: buritiense,
ardoroso amante da minha terra, deu meus primeiros passos no velho Grupo
Escolar Antonio Faria, cursei o Ginásio Industrial na antiga Escola Técnica
Federal do Maranhão, estudei o Curso Científico no Liceu Piauiense e o conclui
no Liceu Maranhense, militei na área de educação, orientando nas matérias
português e inglês, cursei a Faculdade de Direito de São Luís/UFMA, pós
graduado no primeiro Curso de Formação de Magistrado do Maranhão, Direito Civil
e Penal, Delegado de Polícia Civil concursado, aposentado na Classe Especial,
exerci todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública, inclusive
o de Secretário, advogado legalmente inscrito e em dia, na OAB/MA em atividade,
detesto injustiça de qualquer ordem, principalmente praticada contra pobres e
oprimidos, em favor dos quais atuo, como o fiz no último Júri realizado em
Buriti no último dia 02 de dezembro próximo passado! Adoro minha Buriti e tudo
o que ela ainda tem de bela, principalmente a sua gente!
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