*Publicado por Luiz Flávio Gomes em
www.jusbrasil.com.br
No livro A Suíça lava mais branco,
publicado há 25 anos, Jean Ziegler já dizia que “A Suíça é o principal local de lavagem de dinheiro do nosso planeta, o
local de reciclagem dos lucros da morte [das ditaduras e do narcotráfico]” (veja Estadão1/3/15:
B9). Somente no HSBC, nos anos 2006/2007, mais de 100 mil contas estavam
lavando mais de US$ 100 bilhões (desse total US$ 7 bilhões pertencem a mais de
6 mil brasileiros, cujos nomes, apenas parcialmente, foram até aqui revelados).
Reis, atletas, pilotos, narcotraficantes, ditadores, corruptos, empresários de
vários setores etc.: a quase totalidade dessa clientela “seleta”, cujo
patrimônio lícito e ilícito passa por vários processos de mimetização, faz
parte da cleptocracia mundial (Estados “governados” por ladrões e
aproveitadores, a começar, evidentemente, pelo Brasil).
Grande parte
do que somos vem do berço. Que pena que no berço dos brasileiros (e dos
latino-americanos em geral) nunca tenha sido disseminada (de maneira absoluta)
a repugnância ou a ojeriza à corrupção, à lavagem de dinheiro, à sonegação, à
injustiça, ao analfabetismo, à miséria e à violência. Enquanto alguns poucos
sugam o esquálido Brasil (sobretudo em razão da falta de um capitalismo
realmente competitivo), nossa segurança pública (com destaque para Brasil,
Honduras, El Salvador, Venezuela, Colômbia e México) mergulha a cada dia num
abismo profundo de desespero e indignação, que está exterminando a vida de
milhares e tornando milhões de outras absolutamente insuportáveis.
A América
Latina, depois de ter sido sanguinariamente espoliada pelos povos
ibero-americanos, que foram seguidos pelas lideranças nacionais sucessoras, se
tornou a região mais violenta do globo terrestre (28,5 assassinatos para cada
100 mil pessoas – OMS-ONU; a segunda colocada, região africana, tem 10,9 óbitos
para 100 mil). Das 50 cidades do mundo com mais homicídios, 43 estão na América
Latina (4 nos EUA e 3 na África), sendo 19 no Brasil (veja Consejo
Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal, México). Em 2013
eram 16. A esse descalabro não se chega da noite para o dia. Só uma
cleptocracia (Estado governado por ladrões, adeptos do patrimonialismo,
clientelismo e da corrupção), profundamente enraizada na sociedade, seria capaz
de destroçar avassaladoramente todo um continente de mais de 400 milhões de
pessoas.
O sucesso
das cleptocracias espalhadas pelo mundo todo não seria tão estrondoso se elas
não contassem com um sistema bancário mundial que oferece lavagem e sigilo. O
HSBC, diz Jean Ziegler (Estadão citado), “é apenas a ponta do iceberg de um sistema inteiro de fraude; aqui [na
Suíça], a matéria-prima se chama dinheiro
estrangeiro”. Em 1990, quando lançou seu livro, Jean era parlamentar. Em
menos de um ano sua obra foi alvo de nove processos e até hoje ele paga uma
multa de US$ 6 milhões por ter publicado o livro. Mundo de ponta-cabeça. O
vício virou virtude. A desgraça é que os mandões endinheirados mandam na
política e, frequentemente, também na Justiça. O autor perdeu sua imunidade
parlamentar [desde 1939 isso não ocorria], foi atacado pela imprensa, perdeu
sua casa e até hoje vive ameaçado de morte. Conta atualmente com 80 anos de
idade. A Associação dos Bancos disse na época que não protegia criminosos. A
cada revelação dos seus correntistas não se vê outra coisa senão
narcotraficantes, corruptos, sonegadores, ditadores etc.
Histórias
como a do HSBC se tornaram na Suíça banalidades, disse Jean Ziegler, que
agregou: “Existe uma corrupção
institucional na Suíça; quem regula os bancos é uma entidade paga por eles
mesmos; Berna sempre soube que o dinheiro lavado na Suíça inclui lucros das
drogas colombianas, da máfia, do terrorismo; Rousseau dizia que ‘os ricos andam
com a lei sempre dentro de seus bolsos’; os parlamentares não ganham salários,
sim, apenas ajuda de custo; ocorre que eles passaram a fazer parte dos
conselhos das empresas; o Parlamento foi colonizado por multinacionais e
bancos; no Parlamento quem sempre tem a maioria são os bancos [eles compram
os políticos]; no Parlamento só se aprova
o que os Bancos querem; hoje, 27% da riqueza global está na Suíça; o dinheiro
vem do crime, dos fraudadores e do sangue; os EUA estão punindo vários bancos
pelas suas práticas; a mentira que contam é de que o sigilo bancário está
acabando; isso só vai valer em 2018 e se for aprovado por referendo; até hoje a
conta que recebe o dinheiro da renda do livro está bloqueada”.
Como se vê,
não é apenas o Brasil que está no atoleiro da corrupção e da cleptocracia. O
fenômeno é mundial (com 50 graduações distintas, conforme cada País). Tal como
Étienne de la Boétie (Discursos da servidão voluntária, escrito no
começo do século XVI), os “anormais
irresignados” (nessa lista eu me incluo) apenas gostariam de entender “como tantos humanos, tantos burgos
[cidadãos], tantas cidades e tantas
nações suportam um só tirano [o
sistema político-econômico-financeiro extrativista, que nunca levou o
capitalismo a sério em termos de competitividade], que não tem mais poder que o que lhe dão, que só pode prejudicá-los
enquanto quiserem suportá-lo, e que só pode fazer-lhes mal se eles preferirem
tolerá-lo a contradizê-lo”. Como?
*LUIZ FLÁVIO GOMES. Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG.
Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a
1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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