*Publicado por Ivone Zeger em www.jusbrasil.com.br
A união
estável ou união livre entre duas pessoas tem sido tratada e reconhecida, já há
um bom tempo, como um fato jurídico pleno e contemplado no nosso ordenamento
jurídico brasileiro, ainda que dentro de certos limites. Por essa razão, a
união estável já assumiu entre nós um papel extremamente relevante como
entidade familiar e, muito provavelmente, as pessoas tem preferido essa forma
de união no lugar do casamento.
Como o
assunto ainda depende de muita informação por parte dos operadores do direito
em relação ao público leigo, pedi permissão a uma cliente do escritório, que
nos procurou para solucionar seu problema, para que pudesse escrever este
artigo e assim esclarecer outras pessoas.
A questão
era: “Quanto tempo eu tenho que namorar
com o meu companheiro antes de poder processá-lo?” Deduzi que a moça estava
tentando saber quanto tempo de convivência seria necessário para caracterizar
seu relacionamento como uma união estável, o que poderia lhe dar o direito de,
em caso de separação, ingressar na justiça para reivindicar metade dos bens que
o casal adquiriu durante a relação. Pude perceber que esse tipo de equívoco
indica total desconhecimento do que vem a ser uma união estável.
E o que é
pior: sugere uma visão mercantilista do relacionamento, visto não como a união
de duas pessoas que se amam e que querem compartilhar suas vidas, mas como uma
forma de obter vantagens futuras. Esse tipo de atitude contribui para criar um
certo estigma em torno da união estável. Não são poucas as pessoas que temem
aprofundar seus relacionamentos devido ao receio de que, cedo ou tarde, o
parceiro ou parceira possam levá-las à justiça, exigindo parte de seus bens.
Por esse
motivo, é de extrema importância esclarecer o que é e o que não é a união
estável. Comecemos com o que ela não é. A união estável não é uma forma de
golpe ou de trambique que permite a alguém, após algum tempo de convivência,
apropriar-se indevidamente dos bens do parceiro. O reconhecimento desse tipo de
relacionamento, introduzido pela Constituição de
1988 e posteriormente regulamentado pelo novo Código Civil de
2002, surgiu com um propósito legítimo, o de corrigir uma injustiça.
Nem os
legisladores, nem a sociedade, entenderam que era justo privar de determinados
direitos as pessoas que optavam por viver como marido e mulher, porém sem
casarem-se oficialmente em cerimônia civil. Com o reconhecimento da união
estável, os parceiros passaram a ter uma série de direitos garantidos por lei.
Em caso de separação ou de morte de um dos companheiros, o outro poderá receber
metade do patrimônio obtido pelo casal durante a união. Poderá, também, receber
pensão alimentícia e demais benefícios. Para que isso ocorra, porém, é
necessário apresentar à justiça provas de que o relacionamento era de fato uma
união estável.
São essas
provas que a diferenciam de outros tipos de relação, como um caso amoroso, um “casamento aberto” ou dois namorados que
se relacionam sem maiores compromissos, embora possam até, eventualmente,
partilhar o mesmo teto. Para que haja união estável, é necessário que ambos os
parceiros não possuam impedimentos ao casamento, isto é, não podem ser casados
com outras pessoas (com exceção dos que estão separados de fato ou
judicialmente); os ascendentes com os descendentes; os parentes afins em linha
reta; quando houver vínculo de adoção; os irmãos unilaterais ou bilaterais e
demais colaterais até o 3º grau. Também é preciso que a relação seja
monogâmica, pública, duradoura e com o objetivo de constituir família – ainda
que o casal não tenha filhos.
A lei não
estabelece um tempo mínimo para que o relacionamento seja considerado uma união
estável. Contudo, como a relação deve ser duradoura, cabe ao juiz decidir se o
período de tempo ao longo do qual o casal conviveu preenche essa qualificação.
Partilhar o mesmo teto não é uma exigência absoluta. Mesmo que o casal, por um
motivo ou por outro, viva em casas separadas, ainda assim é possível que sua
união seja reconhecida, desde que os demais requisitos sejam cumpridos.
Como
se vê, união estável é assunto sério. Quem contribuiu para a aquisição de bens
durante a união – seja por meio de trabalho remunerado, seja por sua atuação no
lar – não ficará desamparado em caso de separação ou de falecimento do
companheiro. Por outro lado, os que acham que qualquer relacionamento poderá,
no fim, servir para engordar indevidamente sua conta bancária, terão suas
expectativas frustradas pela correta aplicação da lei.
Ivone Zeger. Bacharel
em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo em 1978. É
advogada militante em São Paulo, especialista em Direito de Família e Sucessão,
consultora jurídica, professora, palestrante e escritora. Membro efetivo da
Comissão de Direito de Família – CDFAM da OAB/SP e do Ins...
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