*Por Enviado Especial Ao Maranhão Da Folha De São
Paulo
Candidato da oposição, o ex-juiz federal Flávio Dino (PC do B) foi
eleito governador do Maranhão neste domingo (5), numa eleição que encerra um
ciclo de quase 50 anos de poder no Estado do grupo político do senador José
Sarney (PMDB-AP).
O vencedor no pleito ficou 63,52% dos votos. Edison Lobão Filho (PMDB),
apoiado pela família Sarney, teve 33,69% e ficou em segundo lugar.
Advogado e ex-presidente da Embratur, Dino liderou as pesquisas com
folga durante toda a campanha.
Na manhã, ao votar em São Luís, Dino comparou sua provável vitória à
campanha das Diretas Já, em 1984, quando iniciou sua militância política.
À noite, após a confirmação da vitória, disse: "Hoje viramos a página do passado. Nosso Estado finalmente entra
no século 21. Vamos viver a partir de agora ares verdadeiramente democráticos e
republicanos".
Ele homenageou o pai, Sálvio Dino, 84, que teve o mandato de deputado
estadual cassado em 1964 "sob a acusação de ser comunista". "Nós vencemos, pai, os
comunistas venceram."
"Quero mandar um recado para todos
os fascistas do Brasil: um partido comunista vai governar um Estado brasileiro.
Será interessante ver ser aplicada pela primeira vez uma experiência de governo
democrático e popular baseado na soberania dos pobres."
Dino chorou ao se lembrar do filho Marcelo, morto em 2012, aos 13 anos,
após se internar em um hospital privado de Brasília com uma crise de asma.
"Superei o mais duro golpe que um
pai pode receber. Claro que estou feliz de receber milhares de abraços, mas
falta um abraço. Cada criança que abracei era a vida do meu filho que estava em
jogo."
Ele prometeu anunciar após a posse um pacote de medidas de probidade e
transparência e outro com "providências especiais" para as 20 cidades
com os menores IDH (índice de Desenvolvimento Humano do Estado).
"Vamos romper com o
patrimonialismo que canibaliza os recursos públicos, tirar nosso Estado das
páginas policiais e melhorar os indicadores sociais", completou.
Derrotado no primeiro turno pela governadora Roseana Sarney em 2010,
Dino fez neste ano uma aliança pragmática para evitar nova derrota. Reuniu os
principais partidos da oposição e antigos aliados da chamada
"oligarquia", como o ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB), que
rompeu com Sarney em 2004.
O deputado estadual Marcelo Tavares (PSB), sobrinho de José Reinaldo,
foi um dos coordenadores de sua campanha e deve ter destaque no novo governo.
A aliança de nove partidos contou ainda com o PSDB, em acordo articulado
com o aval do presidenciável Aécio Neves, que visitou o Estado e esteve com
Dino em agosto.
Mesmo com essa coligação, o comunista teve menos tempo de TV durante a
propaganda eleitoral gratuita: 5min59s contra 9min31s de Lobão Filho.
A diferença se explica pela coligação do peemedebista, com 18 partidos.
Dino, contudo, havia investido mais. Sua campanha declarou R$ 5,6 milhões em
despesas contra R$ 3,3 milhões de Lobão Filho, segundo a prestação parcial de
contas mais recente.
PALANQUE TRIPLO
Apesar da marca forte como "candidato da oposição", Dino teve
uma particularidade no Estado. Ele dizia ter apoio dos três principais
postulantes ao Planalto, já que o PC do B é aliado dos petistas nacionalmente,
o seu vice é do PSDB de Aécio Neves e o candidato ao Senado é do PSB de Marina
Silva.
Nesse cenário, o candidato do PC do B não declarou em quem votou para
presidente. O PT apoiou Lobão Filho por imposição do comando nacional da sigla,
mas uma ala do partido fazia campanha para Dino.
Na reta final, a presidente Dilma Rousseff autorizou a distribuição de
material com sua foto ao lado do comunista, que presidiu a Embratur em seu
mandato. Ela não gravou para Lobão Filho, que exibiu em seu programa de TV
apenas o depoimento do ex-presidente Lula.
Além de pregar o fim da "oligarquia", Dino apresentou como
principais promessas de campanha versões locais de programas do governo
federal, como o Mais Médicos estadual, o "Minha Casa Meu Maranhão" e
uma complementação do Bolsa Família, que ele comparava a um 13º salário, para a
compra de material escolar.
RIVAL SEM ROSTO
Aliados e até adversários afirmam que Dino se beneficiou de um
sentimento por "mudança"
que dominou a campanha eleitoral no
Estado.
"Nosso adversário não tinha um rosto. Havia um
sentimento da população, e o Flávio conseguiu se apresentar como condutor dessa
mudança", disse o
ex-ministro Gastão Vieira (PMDB), que disputou o Senado na chapa de Lobão
Filho.
O
próprio candidato do PMDB, embora defendesse o legado de Roseana e da família
Sarney, também evitou se apresentar como representante da continuidade.
Ao
votar, no início da manhã, no centro de São Luís, Lobão Filho disse que o "ciclo
da família Sarney" estava se encerrando pela decisão de seus dois
principais representantes –Roseana e Sarney– de não se candidatarem mais a
cargos eletivos.
O
ex-presidente abriu mão de concorrer a um novo mandato de senador pelo Amapá, e
Roseana preferiu concluir o mandato, desistindo de disputar a vaga para o
Senado.
Mais sobre o
comunista Flávio Dino
Ex-deputado federal, Flávio Dino é advogado, foi
juiz federal no Maranhão por 15 anos e professor de direito. Deixou a
magistratura para ingressar na política partidária. Em 2006, se elegeu pela
primeira vez deputado federal. Também foi secretário-geral do Conselho Nacional
de Justiça, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil e assessor
da presidência do Supremo Tribunal Federal. Na Câmara dos Deputados, atuou na
elaboração do projeto da Reforma Política. Em 2008, Dino disputou e perdeu a
eleição para a prefeitura de São Luís.
Em 2010, Flávio Dino desistiu da reeleição para
deputado federal e concorreu ao governo do Maranhão, quando foi derrotado pela
governadora Roseana Sarney. Sem mandato, Flávio Dino foi nomeado para o cargo
de presidente da Embratur pela presidenta Dilma, função que ocupou até março
deste ano.
Se há uma grande, alvissareira notícia nestas eleições é o
enterro simbólico de José Sarney e sua turma no maranhão. Flávio Dino, do PC do
B, teve 63,54% dos votos, contra 33,68% do sarneyzista lobão filho, do PMDB.
Em 48 anos de comando do clã no MA,
seu legado é uma tragédia: o menor IDH do brasil, miséria, taxa de analfabetismo
em torno de 40% e uma rebelião num complexo penitenciário que caberia num filme
b de terror.
Houve um governador de oposição desde
1966. Foi Jackson Lago, eleito em 2006. Em 2009, seu mandato foi cassado pelo TSE
para Roseana Sarney assumir.
Nestas cinco décadas, a família deu o
próprio nome e o de aliados a tudo: municípios, escolas, pontes, rodovias,
fóruns, avenidas, hospitais, viadutos. Como gafanhotos, deixaram o estado à
míngua. (Recentemente, um amigo pegou um land rover para fazer uma viagem pelo interior
do nordeste. No maranhão, contou que crianças levantavam um cartaz escrito
“fome” na beira da estrada).
Lobão Filho chegou a deblaterar que
tinha “195 prefeitos dos 217”, o dobro de tempo de televisão e que era “muito
mais preparado”. Com tudo isso, foi derrotado principalmente pelos defeitos do
velho padrinho.
Não houve economia de golpes baixos. Em
seu jornal, José Sarney escreveu que Dino “insultava
e vilipendiava” o maranhão. “Tudo
hipocrisia e desejo de que sejamos Venezuela. O maranhão comunista é a mudança
que desejam”, apelou.
Também apareceu um vídeo em que um
detento do presídio de pedrinhas acusava Dino de ser mandante de um assalto. O
assaltante confirmaria, mais tarde, que recebera uma promessa de ganhar
dinheiro e proteção em troca da armação.
Flávio Dino é advogado e professor e
atuou no movimento estudantil. Tem 46 anos. Em 2010, havia perdido o governo
para Roseana Sarney. É o primeiro governador eleito pelo PC do B. Após o
resultado, declarou que sua vitória é “grandiosa
pelos que aqui não estão, como quilombolas, quebradoras de coco, jovens,
conselheiros tutelares, pelas pessoas que vi no maranhão sem ter o que calçar,
sem ter o que comer, em casas de taipas”.
É um eco de um discurso parecido. Em
1966, Glauber Rocha filmou o jovem José Sarney num comício. Sarney acabara de
se eleger para o governo combatendo os coronéis. “O maranhão não quer a miséria, a fome, o analfabetismo e as mais altas
taxas de moralidade infantil, de tuberculose, de malária”, gritava, já com
o bigodão insofismável.
De certa forma, ele foi um visionário:
descreveu ali as condições de sua terra com meio século de antecipação,
devastada por ele mesmo.
Flávio Dino não fará milagre, mas o
fato de ter começado a enterrar um câncer que destrói o maranhão desde os anos
60 é um bom começo.