*Publicado por Luiz Flávio Gomes - 4
dias atrás
A presidente
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro enviou para a Assembleia Legislativa
um projeto para conceder auxílio-educação para os filhos de juízes e servidores
do Tribunal. Para os magistrados, o auxílio mensal seria de até R$7.250,00 e
para os servidores de até R$3.000,00. Segundo Adriana Cruz (O Dia), a
proposta ainda prevê R$ 20 mil por ano aos juízes para investirem em estudo. Os
servidores receberiam mais R$ 500. O auxílio-educação postulado pode chegar a
R$9 mil, se passarem os novos vencimentos dos ministros do Supremo (para R$ 35
mil). A Associação dos Juízes ainda quer mais R$ 1.100 como auxílio-transporte.
Antes das
eleições todas essas propostas (nitidamente indecorosas) não serão votadas
(porque os deputados estaduais estão em campanha). “A Justiça parece que não entendeu o recado das ruas, no ano passado,
com as manifestações que caracterizaram falta de representatividade. Nenhum
professor do estado ganha o que os magistrados querem de auxílio-educação”,
criticou o deputado estadual Marcelo Freixo, do Psol. No ano passado os
deputados já aprovaram o auxílio-moradia para magistrados e membros do
Ministério Público sem questionamentos. Atualmente, os valores giram em torno
de R$ 5 mil, segundo desembargadores ouvidos pelo jornal O Dia.
É uma
incongruência manifesta os tribunais afirmarem que não há verbas para contratar
novos juízes ou para melhorar o serviço público da Justiça (reconhecidamente
moroso) e, ao mesmo tempo, pedirem mais benefícios mensais que driblam o teto
salarial dos desembargadores. A proposta auxílio-educação é indecorosa em todos
os seus aspectos, mas existe no seu seio outra aberração inominável, que faria
corar qualquer aristocrata racista: o valor distinto para magistrados e
servidores significa o quê? Que o filho do magistrado tem que estudar em um
lugar melhor do que o do servidor, fazendo preponderar a histórica desigualdade
de classes? No tempo do Brasil colonial e imperial o sonho de todo fidalgo era
colocar o filho na “folha do Estado”. Esse sonho cultural não acabou; a
diferença é que agora já se pretende que o filho vá para a “folha do Estado”
desde o jardim da infância.
Depois de
alguns anos de vida e de muitos estudos, nada mais natural que os humanos
conquistarem incontáveis e díspares ideias e visões do mundo (Weltanschauung).
Para transformá-las em algo valioso e útil na vida terrena, antes de tudo
devemos combiná-las e submetê-las à moral e às virtudes. A primeira categoria a
se dissipar, diante desse acurado exame, é a da vulgaridade (todo esforço do
mundo para contê-la será pouco diante dos nefastos efeitos que ela produz ao
longo das nossas transitórias existências). Sobretudo quando governamos
interesses coletivos, não há como deixar de cultivar a moral e as virtudes, não
somente porque dos dirigentes sempre se espera exemplaridade, senão também
porque são elas que conferem ao espírito o senso do justo em sua mais profunda
extensão e ao caráter a devida elevação assim como a necessária firmeza.
Todos os
humanos que assumem o destino das coisas públicas, incluindo os juízes,
evidentemente (sobremaneira quando assumem cargos administrativos de
governança), deveriam ser obrigados a se submeterem a um curso intensivo, se
não de geometria (como postulava o espírito exigente de Platão), ao menos de
moderação, tal como pugnava Aristóteles, para afiar a personalidade do
administrador e distanciá-lo dos vícios mais deploráveis que podem rondar o
exercício do poder, nutrindo sua alma e seu espírito de um conteúdo
substancialmente sólido (apesar da sociedade líquida que vivemos, como diz
Bauman), de forma a evitar-lhe ao menos os deslizes mais canhestros ou as
tentações mais extravagantes, tal como sugeria Stuart Mill).
Por força do
princípio da moderação de Aristóteles, para cada virtude existem ao menos dois
vícios. Se queremos promover o bem, se queremos ser exemplares para nossos
filhos e concidadãos (“Age de tal forma
que a máxima do teu querer possa valer em todo o tempo também como princípio de
uma legislação geral” – Kant), o primeiro que temos que fazer consiste
sempre em evitar o cálice dos excessos, dos vícios e das extravagâncias. A
lição aristotélica nos ensina que a coragem desdenha a covardia e a temeridade;
a justiça se afasta tanto da fraqueza como do rigor; a temperança é inimiga da
devassidão bem como da austeridade; a religião ergue-se entre a impiedade e a
superstição; a liberdade se ancora entre a escravidão e a licença e assim vai.
Cai em
desgraça infernal (tal como a narrada por Dante) quem, fazendo uso da
liberdade, sucumbe à vulgaridade e se concede a soberba licença para promover o
escatológico, o estrambólico, o desregrado, o nauseabundo, o asqueroso, o
repelente, o repugnante, o bestial, o inconveniente, o abjeto, o sórdido, o
torpe, o nefando, o execrável, o obnóxio, o vil, o desprezível, o ignóbil ou o
esquálido. Não faltam no mundo, no entanto, pretextos e motivos para se negar a
aplicação das doutrinas mais nobres e elevadas, de quantas o humano civilizado
já produziu. Mas todas as propostas frívolas e levianas devem ser refutadas de
plano, ou seja, devem ser abandonadas à sua própria nulidade, mesmo correndo o
risco de o desprezo ser interpretado como uma hostilidade pessoal. Toda
proposta que viola a regra da moderação (de Aristóteles) em nada edifica quem
aspira deixar um nome respeitado e glorioso. Tendo em vista o que já ganham os
juízes, a razoabilidade assim como a imperiosidade da moderação aristotélica,
somos pelo NÃO ao citado auxílio-educação.
Luiz Flávio Gomes: Jurista e professor. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor
de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a
2001). [Assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de
palestras e entrevistas]]
Um verdadeiro, lúcido e competente comentário sobre as mazelas que, infelizmente, atingem as instituições brasileiras, e o pior, ocorre quando se trata de uma instituição que tem(ou deve ter) a nobre e virtuosa missão de fazer, e praticar, a justiça! Luiz Flávio Gomes é um homem das letras e um competente jurista! Parabéns por ter a nobre preocupação com o bom, eficiente, eficaz, mais acima de tudo, com o justo desempenho da magistratura! Parabéns!...
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